Fintechs brasileiras têm sofrido perdas com a crescente inadimplência nos empréstimos que concederam a clientes e que os bancos tradicionais não aceitariam fazer, provocando o colapso de cotas mais arriscadas no mercado de fundos de crédito que compram pacotes de recebíveis.
As fintechs, que incluem a Open Co — que tem entre seus sócios o Goldman Sachs —, a Nexoos e a Gyra+, estão com inadimplência em algumas das suas carteiras de empréstimos sem garantia que ultrapassam 60%, e são obrigadas a partir para fusões, recuar nos seus planos de expansão e a vender ativos para sobreviver.
A tensão passa pelos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), que as empresas brasileiras utilizam para obter financiamento mais barato. As taxas de inadimplência nos R$ 65,5 bilhões em FIDCs de fintechs atingiram 9,5% em média em janeiro, acima dos 3,5% de seis anos atrás, de acordo com a Uqbar, que fornece dados sobre securitização no Brasil.
Isso está se tornando um grande problema para as fintechs, pois elas detêm as parcelas subordinadas dos FIDCs para mostrar ao investidor que estão correndo o risco junto com ele, disse Leandro Albuquerque, analista da S&P Global Ratings que acompanha o setor.
“O risco de inadimplência continua elevado, especialmente para empréstimos sem garantia, tanto pessoal como para pequenas empresas, devido às perspectivas de crescimento econômico baixo e aos juros ainda elevados”, disse ele. “Ainda há desafios no horizonte de curto prazo para essas fintechs”.
As startups conquistaram seguidores – e o apoio de investidores – ao prometerem democratizar os empréstimos em um país onde a obtenção de crédito é notoriamente difícil.
Vários dos FIDCs mais problemáticos foram criados logo após a pandemia, quando as taxas de juros de referência no Brasil estavam em torno de 2% ao ano e o governo fornecia crédito subsidiado a empresas e indivíduos, disse Albuquerque. Os brasileiros que nunca tinham tido uma conta bancária aceitaram as ofertas das fintechs, usando até seis cartões de crédito em alguns casos.
Três anos depois – com juros agora na casa dos dois dígitos – a inadimplência está disparando, marcando um revés para a outrora promissora indústria de fintechs do Brasil. O país tem 1.627 fintechs, segundo o Distrito, e nem todas sobreviverão.
Mas a situação no Brasil apresenta implicações para além do mundo das startups, no mercado pouco conhecido, mas vital, dos FIDCs, que tem crescido na preferência das pequenas empresas para financiamento. O total de ativos dos FIDCs é de cerca de R$ 454 bilhões em janeiro, segundo a Uqbar.
A estrutura – que envolve agrupar recebíveis de crédito em um fundo e vender as cotas desse fundo por níveis de risco – é semelhante aos mercados de securitização de recebíveis amplamente comum em outros países. A maior parte do mercado de FIDC é saudável – os FIDCs de fintech cresceram 25% nos 12 meses terminados em 31 de janeiro.
A Open Co não quis comentar. A Nexoos e a Gyra+ não retornaram mensagens solicitando comentários.
Preocupações com o crédito
Uma das maiores empresas, a Open Co, foi fundada em 2021 como resultado de uma fusão da Geru, que oferecia crédito sem garantia a “indivíduos mais estabelecidos”, e da Rebel, que fornecia empréstimos a jovens brasileiros. Mais tarde naquele mesmo ano, o Goldman liderou a oferta de uma linha de crédito de R$ 1,5 bilhão, parte da qual foi usada pela empresa.
O Goldman comprou a cota sênior do FIDC. A Open Co — que também recebeu injeção de capital do SoftBank e do family office dos bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira — manteve parte das camadas mais arriscadas.
Em setembro do ano passado, a inadimplência havia consumido toda a cota subordinada de R$ 38 milhões que a Open Co detinha no FIDC e parte da cota intermediária. O FIDC de R$ 170 milhões agora tem uma taxa de inadimplência de 63%, segundo a Uqbar, embora as camadas seniores, que foram compradas pelo Goldman Sachs, não tenham sido afetadas.
No ano passado, a Open Co comprou a BizCapital, que fornece crédito online para pequenas empresas. A aquisição ocorreu depois que o FIDC da própria BizCapital, que tinha ativos de R$ 226 milhões em março de 2022, apresentou crescentes índices de inadimplência, que chegaram a 90% em janeiro, segundo a Uqbar.
A Open Co, que forneceu R$ 5 bilhões em empréstimo desde a sua fundação, tem cerca de 214 funcionários. Levantou um total de R$ 750 milhões em duas injeções de capital lideradas pelo Goldman e pelo SoftBank, respectivamente.
Mesmo com o aumento dos índices de inadimplência, a startup, que usa aprendizado de máquina e inteligência artificial para analisar crédito, levantou um novo FIDC de R$ 50 milhões no início deste ano.
Enquanto isso a Gyra+, fundada em 2017 e especializada em empréstimos para empresas menores que enfrentam dificuldades para recorrer aos bancos, também emitiu um FIDC com altas taxas de inadimplência.
A Nexoos, plataforma de empréstimos peer-to-peer fundada em 2016, emitiu um FIDC de R$ 336 milhões que acabou sendo liquidado em 2022 devido à alta inadimplência. Em maio de 2021, a empresa foi adquirida pela Ame, braço da Americanas. Até 2022, a Nexoos havia distribuído cerca de R$ 1 bilhão em empréstimos.
Para agravar os problemas, as fintechs não têm os mesmos mecanismos de cobrança de dívidas que os grandes bancos, disse Alfredo Marrucho, gerente de conteúdo da Uqbar.
“Há empréstimos nos FIDCs que estão com pagamentos em atraso por mais de um ano”, disse ele, acrescentando que algumas das fintechs também têm menos dados históricos de crédito para estimar com precisão – e se preparar – para a inadimplência. Muitos de seus clientes também são novatos na obtenção de crédito.
“Os clientes priorizaram instituições financeiras com as quais mantêm relações de longo prazo”, disse Marrucho. “Quanto menos relacionamento você tiver com um banco ou fintech, menor será a probabilidade de você pagar seu empréstimo em dia.”