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A tempestade perfeita que bomba o dólar e os juros

Voltamos a viver/Como há dez anos atrás/E a cada hora que passa envelhecemos dez semanas, cantava Renato Russo, em “Teatro dos Vampiros”. É mais ou menos o que o mercado está sentindo agora.

O dólar fechou esta terça (16)  a R$ 5,26, o que não acontecia desde janeiro do ano passado. A taxa do IPCA+2035 foi a 6,04%, patamar que os títulos de inflação não viam desde abril de 2023. E o Ibovespa amarga sua pior pontuação no ano, 124.389, depois de cinco quedas consecutivas.  

Culpa de uma tempestade perfeita. Ela nasceu do encontro entre uma massa de ar fria, glacial, que vem lá do hemisfério norte, e uma estupidamente quente, com epicentro em Brasília. 

A frente fria lá da gringa começou a se formar no dia 5 de abril, com a divulgação do Payroll. O relatório de empregos mais importante dos EUA mostrou a criação de 303 mil vagas por lá, contra 200 mil das previsões dos analistas.

Má notícia para quem esperava por um início rápido nos cortes de juros por lá, já que uma economia forte significa mais pressão inflacionária. 

Prova disso é que a inflação por lá voltou a acelerar. Na quarta passada (11) saiu o CPI (o IPCA deles). Alta de 3,5% em março, contra 3,2% em fevereiro. Maior nível em termos anuais desde setembro do ano passado.

E na tarde de terça Jerome Powell colocou uma cereja nesse bolo. Disse no tom sóbrio que lhe é típico: “Dada a força demonstrada pelo mercado de trabalho e o progresso da inflação até agora, é apropriado dar mais tempo para que política monetária restritiva surte efeito”. 

Em outras palavras, menos sóbrias: não vai ter corte tão cedo.           

É o que o mercado começa a introjetar. Há um mês, só 22% dos investidores acreditavam que o início das reduções só viria em setembro, ou mais adiante (pela pesquisa diária da CME). Na segunda (15), já eram 51%. Depois da fala de Powell, 55%.

Também já há quem aposte num 2024 sem corte algum; que os espumantes da virada para 2025 estourariam com os juros do Fed ainda em 5,5%. Há um mês, só 1% do mercado se atrevia uma previsão tão pouco ortodoxa; hoje, 12%.  

Isso por si só já bastava para dar vitaminas ao dólar. Os drones e mísseis iranianos sobre Israel foram um tempero extra – quando o risco de apocalipse fica visível, não falta quem troque investimentos mais arriscados pelo porto relativamente seguro dos títulos públicos americanos. Para comprá-los, você precisa de dólares; logo, a cotação da moeda americana sobe, no mundo todo.

Mas por aqui tem subido mais. O real é a segunda moeda que mais perdeu para o dólar neste mês entre as 25 do Índice de Moedas Emergentes da MSCI – só perde para o Won, da Coreia da Sul.

O que nos leva à massa de ar quente. 

Permissão para gastar

O governo incendiou o mercado ontem, ao enviar para o Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com uma bomba dentro: a meta fiscal mais frouxa para 2025 – de um superávit de 0,5% do PIB (que tinham proposto há um ano) para 0%. Na prática, o governo permitiu-se um déficit de 0,25%, já que essa é a margem de tolerância para mais ou para menos.

A imagem aqui embaixo, do The Investor, no Instagram, traduz bem como o mercado recebeu a novidade:

“Arcabouço Day?”, escreveu o @leiatheinvestor na legenda da montagem.

Tudo isso num cenário em que Dívida Bruta do Governo Geral aumentou em R$ 1,07 trilhão nos primeiros 14 meses de Lula III. Em termos reais, corrigidos pela inflação, é um patamar próximo aos 14 meses iniciais do mal fadado Dilma II (2015-2016) – R$ 1,11 trilhão em dinheiro de hoje, corrigido pela inflação (R$ 765 bilhões em dinheiro da época).

Com a torneira aberta, a relação dívida-PIB subiu de 71,7%, ao fim do governo Bolsonaro, para os atuais 75,6% – quando o ideal para países emergentes é algo na casa dos 60%.

O aumento nos gastos públicos torna os títulos da dívida brasileira menos atraentes. Isso diminui a demanda por reais – e ajuda a desvalorizar nossa moeda.

E com o dólar mais alto temos mais pressão inflacionária (algo que os gastos públicos sozinhos também propiciam, já que colocam mais dinheiro em circulação, não necessariamente em atividades produtivas). Aí a esperança de cortes mais pesados na Selic se esvai.

Nesse cenário, consolida-se cada a teoria de que a taxa básica vá terminar 2024 mais próxima dos dois dígitos do que se imaginava. Ou seja, um patamar menos amigo do crescimento econômico.  

“Não fui eu”

Haddad disse hoje que não é com ele. Para o ministro da Fazenda, a escalada do câmbio é majoritariamente culpa do cenário externo.

O ministro argumentou: “Tem muita coisa fazendo com que o mundo esteja atento ao que está acontecendo nos Estados Unidos e o dólar está se valorizando frente às demais moedas. Eu diria que isso não explica tudo o que está acontecendo no Brasil, mas explica dois terços”, argumentou o ministro.

Se os 33% que restam da culpa podem ser atribuídos à revisão das metas, o ministro empurrou a responsabilidade para o Legislativo – que impediu o fim da desoneração da folha de pagamento, por exemplo. Segundo ele, não fosse o Congresso, o plano de voo traçado no arcabouço inicial seria cumprido.

Seja como for, a previsão de superávit agora ficou só para 2026 – o último ano do governo. 

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