O Reino Unido não se autoabastece, dependendo fortemente da União Europeia (UE) para frutas e legumes frescos.
Essa dependência mudou pouco desde que o Reino Unido deixou o bloco em 2020, mas agora pode significar mais dificuldades para consumidores e pequenas empresas.
A última terça-feira (30) marcou o início da introdução, há muito atrasada, de inspeções físicas pós-Brexit de importações de vegetais e animais da UE.
As verificações pontuais serão aplicadas inicialmente a produtos como carne, queijo e alguns peixes, e eventualmente a uma variedade de vegetais e frutas.
Novos encargos pesados sobre alguns produtos alimentícios importados também entrarão em vigor, ameaçando reduzir o poder de escolha do consumidor e elevar os preços pouco depois da inflação de alimentos no Reino Unido ter caído de taxas de dois dígitos.
As medidas coincidem com alertas sobre a possibilidade de aumento dos preços do pão e da cerveja devido ao impacto de chuvas sem precedentes nas colheitas de grãos britânicos.
O novo regime para importações de alimentos é talvez o exemplo mais gritante da burocracia fronteiriça que as empresas do Reino Unido e da UE devem enfrentar após o Brexit.
Antes de deixar a UE, a Grã-Bretanha desfrutava de acesso irrestrito à gama de alimentos produzidos nos países vizinhos: queijo da França, pêssegos da Espanha, alcachofras da Itália.
Um fluxo constante de trabalhadores agrícolas da UE, entretanto, beneficiava agricultores britânicos.
No mundo pós-Brexit, o suprimento de alimentos ao Reino Unido está mais vulnerável a choques externos e internos, uma vez que a escassez de mão de obra tem forçado os agricultores locais a deixar plantações apodrecendo por falta de trabalhadores para colhê-las.
Grupos da indústria do Reino Unido dizem que a burocracia adicional pode significar milhares de libras em custos extras por mês para uma empresa típica, enquanto atrasos na fronteira reduzirão a vida útil de produtos perecíveis e aumentarão o desperdício de alimentos.
Eddie Price, diretor do Birmingham Wholesale Market, que abriga cerca de 50 empresas que vendem carne, verduras, peixes e flores, diz que os comerciantes estão preocupados com custos mais altos e atrasos na fronteira.
“Há preocupações de que [a comida] provavelmente ficará retida no ponto de entrada por alguns dias e potencialmente reduza o valor do produto e o torne menos disponível”, disse ele à CNN.
“Há uma real preocupação, especialmente entre os maiores importadores, de que isso possa adicionar vários pontos percentuais aos seus custos.”
Preços mais altos e atrasos na fronteira
O governo estima que as novas verificações custarão às empresas britânicas cerca de 330 milhões de libras (US$ 419 milhões) anualmente e aumentarão a inflação de alimentos em cerca de 0,2 ponto percentual ao longo de três anos.
Mas a Cold Chain Federation, que representa empresas que entregam mercadorias que precisam de armazenamento refrigerado, surgiu com uma soma muito maior.
A federação calcula que as novas medidas de fronteira podem facilmente adicionar mais de 1 bilhão de libras (US$ 1,3 bilhão) por ano em custos para empresas que comercializam produtos perecíveis.
Isso antes mesmo que frutas e vegetais, que provavelmente enfrentarão menos verificações, sejam incluídos na conta.
Um custo adicional dessa escala “aumentará significativamente os preços dos alimentos e reduzirá a escolha”, escreveu o CEO da federação, Phil Pluck, em carta ao ministro do Meio Ambiente e Alimentos do Reino Unido, Steve Barclay, no início deste mês.
“Também acreditamos que isso ameaçará seriamente a viabilidade de pequenas e médias empresas que operam no varejo de alimentos, como pequenos centros de jardinagem, restaurantes e delicatessens”, acrescentou.
Já British Retail Consortium, que representa os principais supermercados entre outros varejistas, está menos preocupado com o potencial impacto sobre os preços dos alimentos.
Qualquer custo adicional com novas verificações e papelada “provavelmente será pequeno em relação às 200 bilhões de libras em vendas de alimentos no Reino Unido a cada ano, o que significa que é improvável que resulte em grandes aumentos de preços”, de acordo com o diretor de alimentos e sustentabilidade da organização, Andrew Opie.
“No entanto, é vital que as verificações de fronteira ocorram sem problemas quando introduzidas para evitar qualquer risco de atrasos ou problemas de disponibilidade”, alertou ele em um comunicado.
Mas como se não faltassem obstáculos, os caminhões vindos da UE pelo Porto de Dover e pelo Eurotúnel terão de ser direcionados para inspeções físicas a 35 quilômetros para o interior, em uma instalação diferente. Estes movimentam a maior parte das importações de alimentos do Reino Unido.
Dependência “perigosa”
Cerca de metade da comida nos pratos britânicos é importada, principalmente da UE – Holanda, França, Irlanda e Alemanha são os maiores fornecedores.
A Itália e a Espanha, países com climas mais quentes, também são fornecedores essenciais de produtos frescos, principalmente porque os consumidores do Reino Unido estão acostumados a poder comprar praticamente qualquer tipo de comida durante todo o ano.
Em 2022, quase 40% dos vegetais frescos consumidos no Reino Unido vieram da UE, de acordo com dados oficiais.
Cerca de 53% foram produzidos localmente e o restante foi importado de outros países. No que diz respeito às frutas, apenas 16% são produzidas no país, sendo 28% provenientes da UE e 56% do resto do mundo.
Essa forte dependência de alimentos de outros países ganhou destaque em fevereiro do ano passado, quando o mau tempo na Espanha e no norte da África causou desabastecimento no Reino Unido, levando os supermercados a impor racionamento de alguns itens básicos, incluindo tomates, pimentões e pepinos.
Em um artigo publicado na Nature em junho de 2020, acadêmicos da Universidade de York, na Inglaterra, argumentaram que a Grã-Bretanha é “perigosamente dependente” da Holanda e da Espanha para a “maior parte” de suas importações de vegetais frescos.
“O grau em que essa dependência pode ser sustentada após o Brexit é, no mínimo, discutível”, escreveram eles.
Mas Jack Bobo, diretor do Food Systems Institute da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, diz que a dependência de importações não torna um sistema alimentar inerentemente mais vulnerável.
“Há riscos de qualquer maneira”, disse ele à CNN, apontando para surtos de doenças ou eventos climáticos extremos que poderiam destruir a produção local.
“Holanda, Irlanda, Alemanha e França, todos esses são grandes exportadores globais de alimentos”, acrescentou. “Ainda assim, será mais fácil enviar para o Reino Unido do que para qualquer outro mercado global.”
Crise ou oportunidade para os agricultores do Reino Unido?
Price, do Birmingham Wholesale Market, afirma que os novos encargos de fronteira dão aos fornecedores locais a chance de oferecer preços mais competitivos do que seus concorrentes da UE. “Esperamos que esta seja uma oportunidade para os agricultores do Reino Unido”, acrescentou.
O Reino Unido utiliza cerca de 70% de suas terras para a agricultura, bem acima dos principais produtores agrícolas da UE, de acordo com dados do Banco Mundial.
Ainda assim, os especialistas dizem que o país tem espaço para cultivar mais de seus próprios produtos frescos, incluindo maçãs, peras, tomates, pimentões e pepinos.
Mas, também nesse tópico, o Brexit não ajudou, pois acabou com a livre circulação de trabalhadores da UE, dos quais os agricultores britânicos dependiam há décadas.
Vistos de trabalho temporário foram introduzidos temporariamente para tratar dessa questão, permitindo que trabalhadores agrícolas da UE e de outros lugares trabalhassem em fazendas do Reino Unido por curtos períodos.
Com o programa definido para expirar no final deste ano, muitos agricultores estão apreensivos sobre o que vem a seguir.
“Nenhuma empresa agrícola sabe se terá trabalhadores sazonais para 2025. Isso está se aproximando rapidamente de uma crise”, disse Tom Bradshaw, presidente do National Farmers’ Union (NFU), à CNN.
“Você não vai investir na produção a longo prazo se não sabe sobre o acesso à sua força de trabalho.”
O Brexit também incentivou o governo do Reino Unido a fechar acordos de livre comércio com a Austrália e a Nova Zelândia, concedendo a países com indústrias agrícolas muito maiores e mais econômicas acesso livre de tarifas às prateleiras dos supermercados britânicos.
“Desde o referendo de 2016, nosso sistema político está em completa turbulência. A agricultura foi vendida e usada como moeda de troca nas negociações comerciais”, disse Philip Maddocks, CEO da PDM Produce, uma produtora de saladas no condado inglês de Shropshire, em uma recente Conferência da NFU.
Além dos desafios relacionados ao Brexit, os agricultores do Reino Unido têm sido pressionados pela alta dos custos de insumos, como fertilizantes, energia e mão de obra.
Os supermercados, poucos dos quais exercem grande poder na cadeia de abastecimento de alimentos da Grã-Bretanha, muitas vezes não estão dispostos a pagar mais aos produtores locais, optando por importações para manter os preços baixos.
Em dezembro, o governo lançou uma revisão para “aumentar a justiça” na cadeia de fornecimento de produtos frescos, que investigará os acordos contratuais entre produtores e varejistas do Reino Unido.
“Não sou muito a favor de subsídios, sou a favor de preços justos para os alimentos”, disse Maddocks.
“O governo precisa de uma estratégia para comida que olhe para os próximos 20 anos; não cinco, um ou mesmo meses, como tem sido o caso nos últimos anos.”
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