Três, dois, um. Até outro dia, lá em abril, o normal era apostar em pelo menos três cortes nos juros dos EUA para este ano – como o próprio presidente do Fed, Jerome Powell, apontava. De lá para cá, o pessimismo foi aumentando. E nesta manhã subiu mais um degrau. Começa a ganhar corpo a tese de que o banco central dos EUA vai fazer apenas um corte neste ano.
Má notícia para quem espera uma Selic menos aguda por aqui – e até boa para quem ainda não apontou a bazuca de dinheiro para os títulos que estão pagando IPCA+6% (mais sobre isso adiante).
A bomba desta manhã foi o Payroll, o relatório de emprego mais importante dos EUA veio com números totalmente fora do que o mercado esperava. Foram 272 mil novas vagas, enquanto o consenso das previsões apontava para 185 mil.
A aceleração na abertura de novos postos de trabalho mostra que o motor da economia americana segue em alta rotação. Até aí, tudo certo. O problema é que isso joga gasolina na fogueira da inflação – e no momento a prioridade não é turbinar a economia, mas puxar o freio dos preços.
A maior parte do mercado ainda acredita que o primeiro corte nos juros dos EUA em quatro anos vai vir em setembro: 51% dos investidores, de acordo com o Fed Watch, a pesquisa em tempo real da CME. Ontem, antes do Payroll, era um pouco mais: 55%. A maior mudança, porém, é outra: a porcentagem de quem vê um único corte neste ano, de 0,25 ponto percentual, subiu de 26% para 37%. Já de quem via dois cortes daqui até a chegada de Papai Noel caiu de 41% para 38%.
A que ponto chegamos… Lembra do final de 2023? Começava a virar consenso que este ano seria um tobogã nos juros do Fed, com sete cortes de 0,25 pp – o que reduziria a “Selic” americana dos atuais 5,50% para 3,75%. Não rolou. A massa, pelo jeito, não acredita mais em nada abaixo de 5%.
Juro alto nos EUA fortalece o dólar. Dólar mais caro = pão mais caro – quase metade do trigo que a gente consome, por exemplo, vem de fora. É cotado em dólar. E não é só o trigo, claro. Logo, as altas da moeda americana jogam gasolina na nossa inflação.
E quanto maior a pressão sobre o IPCA, mais difícil para o Banco Central reduzir a Selic.
Mas esse copo tem seu lado meio cheio, como todos os copos da economia. Quem estava com o dinheiro “parado” no CDI à espera de juros ainda mais altos para embarcar em títulos de inflação ganhou mais uma janela. Ontem, o IPCA+2035 tinha fechado em já pesados 6,19% de juro real, além da inflação). Ao digerir a bomba do Payroll, a taxa do título foi a 6,23%
Para comparar: há três meses, estava em 5,79%.
É uma boa diferença. A 5,79%, R$ 100 mil em IPCA+2035 se transformam, no vencimento, em R$ 185 mil (em valores de hoje; o nominal será maior, mas terá o mesmo poder de compra que R$ 185 mil têm agora). Bom, a 6,23%, R$ 100 mil se tornam bem mais: R$ 194 mil.
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O problema é para quem já usou a bazuca de dinheiro lá atrás e queria ver o saldo subir logo. Juro mais alto significa um preço mais baixo dos títulos. Quem colocou R$ 100 mil a 5,79%, só para usar a mesma comparação, está hoje com um saldo de R$ 95 mil, por conta da desvalorização. Tombo de renda variável num ativo de renda fixa.
Ou seja: como ninguém sabe como será o amanhã também é plenamente possível que a coisa chegue a IPCA+7% (como aconteceu entre 2015 e 2016, quando a taxa foi a IPCA+7,71%). Para quem olha a partir desse patamar, os 6,23% desta sexta ficam nanicos.
A ver o que nos aguarda.