Faz sentido que o próximo presidente do Banco Central seja alguém que hoje não faça parte do grupo de diretores da autarquia. Na visão de Zeina Latif, economista sócia-diretora da Gibraltar Consulting, um “nome de fora” poderia ser uma boa saída para resolver a questão que a última decisão do Copom trouxe.
“Seria bom que viesse alguém sem nenhum passivo. Não veria como uma punição [ao Gabriel Galípolo], mas como uma solução política”, afirma. Essa seria uma forma, em sua visão, de garantir mais liberdade para que o próximo presidente tome decisões, sem o peso de ter de responder nem ao mercado nem a Lula.
Até aqui, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, era visto como sucessor provável de Roberto Campos, que deixará a presidência do Banco Central ao final deste ano. Mas na reunião do Copom de ontem, Galípolo e os outros três diretores indicados pelo governo atual seguiram o voto da maioria a favor do fim do ciclo de corte de juros, na contramão do que o presidente Lula vem clamando publicamente. Tudo isso colocou no radar a possibilidade de Lula desistir da indicação de Galípolo para a principal cadeira do BC.
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As declarações de Lula aumentaram o mau humor dos investidores e fizeram o dólar chegar a R$ 5,48 nesta semana. Natural. Caso o BC ceda às pressões do presidente, o cenário de inflação vai piorar, desvalorizando nossa moeda. Então corre-se para o dólar “enquanto é tempo”. E esse movimento, por si só, aumenta a cotação da moeda americana.
Na outra ponta, imagina-se que o recrudescimento da inflação lá na frente force os juros para cima num futuro próximo. A Selic é juro de curtíssimo prazo. Só o medo de um eventual juro curto mais baixo, no cenário atual, faz subir os juros longos – que regem os financiamentos imobiliários, por exemplo.
É verdade que tem um pouco do estilo Lula de ser nessas declarações: nem sempre ele cumpre com suas ameaças, lembra Zeina. Foi o que aconteceu com a ideia de mudar a meta de inflação, que não se concretizou. O problema é que, ao fazer esse jogo político, Lula causa problemas concretos: a alta do dólar por si só gera inflação e os juros longos mais altos atrapalham a atividade econômica. Ruídos que poderiam ser evitados, portanto.
“Não vejo ganho político nenhum”, diz. O que parece estar fora do radar de Lula é que as pessoas sofrem com a inflação, e não com a Selic. E que a sociedade está “muito pouco tolerante” em relação à inflação.” “O que eu vejo é uma desconexão com o sentimento da sociedade”, afirma. Isso vale especialmente para a população mais pobre – sem excedente para investir, ela não escapa da inflação.
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A obsessão de Lula em cobrar o BC demonstra também outro aspecto do seu governo: a opção por uma política fiscal mais frouxa. E esse é o ponto central do ambiente negativo que se formou entre investidores e empresários nos últimos dias.
Mas Zeina acredita que, mesmo com todo esse barulho, o mais provável é que Lula mostre alguma reação, ou seja, dê algum sinal na direção de conter as despesas. Que é tudo o que os investidores e os empresários querem ver.
“Continuo apostando que o Lula não é a Dilma. E que ele, de alguma forma, vai reagir a essa mudança de ambiente. Não a ponto de se tornar um reformista, mas de dar alguma sinalização de contenção de despesas”, afirma.
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A eleição municipal, em outubro, atrapalha um pouco esse cenário, admite a economista. Qualquer ajuste para 2025 precisa ser previsto no orçamento que será fechado em meio à campanha eleitoral. “Se não for feito agora, 2025 será comprometido. Mas eles vão ter que lidar com esse dilema”, diz.
Adiar muito esse ajuste e continuar gastando pode ser uma estratégia bastante arriscada. O cenário mais provável hoje é de dólar forte no mundo, não há uma queda de inflação visível no exterior e, por aqui, os reajustes salariais têm vindo fortes. Tudo isso alimenta altas nos preços e, combinado com um quadro fiscal pior, deixa o Banco Central muito mais vulnerável. “A verdade é que a vida do próximo presidente do BC, seja quem for, não vai ser nada fácil”.