A ata da última reunião do Copom trouxe uma jóia escondida, algo que se destaca em meio ao palavrório de sempre: o BC elevou aquilo que ele considera ser a ‘taxa de juro neutra’ – de 4,5% acima da inflação para 4,75% acima da inflação.
Como se trata de um dado um tanto abstrato, vale contextualizar.
Você sabe: com juros altos, financiamentos ficam mais caros e títulos públicos pagam mais. Isso drena dinheiro da economia. Ao não comprar um apartamento porque os juros estão pela hora da morte, você ajuda a desestimular a construção de novos prédios. E aí temos menos empregos na construção civil, menos pedidos para as siderúrgicas, para as fábricas de cimento, para os escritórios de arquitetura. Todo mundo tende a ficar um pouco mais pobre, e cortam-se mais vagas. Mas isso tem um propósito, logicamente: derrubar a inflação.
Derrubada a inflação, vira-se a chavinha. O BC vai reduzindo os juros de modo a jogar mais dinheiro na economia. Com eles num patamar baixinho, rola o efeito oposto: abrem-se vagas, e a taxa de emprego sobe. Bom para todo mundo – pelo menos enquanto a inflação se mantiver comportada. Caso ela volte a subir, eis que chega a roda viva e eleva os juros de novo.
E isso nos traz à “taxa neutra”. Trata-se daquela que não faz nada – não é alta o bastante para reduzir a inflação nem baixa o suficiente para melhorar as taxas de emprego.
Essa seria a taxa ideal para os momentos felizes da economia, com pleno emprego e inflação cravada na meta (de 3%, no caso do Brasil). Não só: quando a gente sabe qual é a taxa neutra, fica mais claro se os juros do presente estão no caminho certo. Tipo: o objetivo do BC neste momento é aplainar a inflação, dos atuais 3,9% para 3%. Os juros, então, precisam ser altos o bastante para contrair a economia de forma eficiente. Sabendo qual é a taxa neutra, então, fica mais claro se a Selic de hoje está no patamar correto.
Bom, a Selic de hoje, em 10,5%, está 6,6% acima da inflação. Ok. Mas qual é a taxa neutra?
Ninguém sabe. Isso não é uma ciência exata. O que temos são chutes bem informados, via estudos do Banco Central. Até agora esses estudos indicavam que a taxa neutra seria de 4,5% acima da inflação (ela é sempre determinada em juros reais, para facilitar). Ou seja: bem abaixo da taxa real de hoje.
Ao mudar a hipótese da taxa neutra para 4,75%, o BC assume automaticamente que a taxa de hoje é menos contracionista do que se imaginava. Se isso não chega a abrir portas para uma alta na Selic, definitivamente não estimula novos cortes tão cedo. Em suma, a troca na hipótese justifica a manutenção da Selic no patamar atual daqui até perder de vista.
E a gente vai levando.