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Os juros do Japão importam mais para você do que parece

O BC do Japão aumentou a “Selic” de lá para derrubar o dólar. Conseguiu.

No início de julho, a moeda japonesa tinha chegado à sua menor cotação em relação ao dólar em 40 anos. Isso encarece os importados por lá, atrapalhando o tráfego da economia. Coube ao BC japonês, então, intervir. 

Os juros nipônicos subiram de 0,1% para 0,25% ao ano – maior patamar em 16 anos. Anunciada a alta, a moeda americana desceu a ladeira no Japão: -1,90% em relação ao iene nesta quarta (31). Normal. O estranho, para quem não está familiarizado com o tema, é: esse movimento do BC japonês causou um efeito oposto no Brasil. Ajudou o dólar a fechar em alta por aqui, de 0,68%

E fica a questão. Por que diabos os juros do Japão deixam o dólar mais barato por lá e mais caro no Brasil, que nada tem a ver com o pudim?

Por um motivo simples. Você pode pedir R$ 10 mil emprestados para a dona do salão de cabeleireiro pagando 10% de juros. Aí empresta tudo para o dono da padaria a 20%. Ao fim da operação, quando todo mundo tiver liquidado suas dívidas, você embolsa a diferença e vai dormir R$ 1 mil mais rico. 

Parece um exemplo idiota. É um exemplo idiota. Mas boa parte do mercado financeiro funciona exatamente assim. Porque não faltam oportunidades de pegar emprestado a juros baixos, emprestar o que você pegou a juros altos e levantar dinheiro sem fazer força. Principalmente quando a operação envolve moedas distintas, produzidas por bancos centrais que pagam juros distintos.

O BC do Japão manteve os juros em 0% (ou abaixo disso) por 14 anos – entre 2010 e março de 2024 (quando subiram para os ainda tímidos 0,1%). Isso deixou o iene particularmente barato. Ou seja, para pegar moeda japonesa emprestada na história recente, pagou-se juros baixíssimos. Não de 0%, já que essa era a taxa do BC deles, não dos bancos que emprestam ao público, mas algo próximo disso. Vamos dizer que seja 3% ao ano.

Aí você chega e pede 26 milhões de ienes emprestados a um banco japonês. Então converte isso em reais. Vai dar R$ 1 milhão. Você pega esse milhão e coloca em Tesouro Selic, ferramenta tão segura para o mundo dos investimentos quanto o elevador é para o mundo dos transportes. Vamos dizer que, depois da saraivada de impostos e taxas, isso renda 8% ao fim de um ano. A grana sobe para R$ 1,08 milhão.

Hora de pagar seu empréstimo com o banco japonês. Caso o câmbio entre o real e o iene não tenha mudado nesse período, você estará devendo para eles, em moeda japonesa, o equivalente a R$ 1,03 milhão. Converta isso em ienes. Pague. E pronto. Você termina a brincadeira com R$ 50 mil no bolso, sem ter produzido rigorosamente nada. 

Legal. 

Parece um exemplo idiota. Mas neste caso não é. O mercado financeiro faz esse tipo de operação o tempo todo. É o que os operadores chamam de carry trade. Você carrega (carry) um empréstimo a juro baixo (neste caso, com um banco japonês) para um ambiente de juro alto (Brasilzão). E lucra com a diferença. 

Isso tem acontecido nos últimos anos. Mas agora, com a previsão e a materialização de juros mais altos na terra do Sol Nascente, começa uma “desmontagem” das operações de carry trade. Com os juros do BC japonês mais altos, fica mais caro tomar empréstimos lá. E a remuneração dos títulos públicos japoneses aumenta – para porcentagens ínfimas, comparadas às nossas mas ainda assim em moeda forte. O grande risco do carry trade, afinal, é o câmbio. Se o real desvalorizar em relação ao iene (às moedas fortes em geral) até o fim da operação, o ganho com os juros pode não compensar. 

Com os juros lá na ascendente, como estão agora, pode valer a pena vender o Tesouro Selic daqui (ou seja lá qual for o ativo), pagar a dívida lá com a instituição financeira de uma vez e pronto.

Mas o que o dólar tem a ver com isso. É que mal existe um mercado de troca direta entre reais e ienes. Os mercados mais líquidos de câmbio sempre usam o dólar como moeda intermediária. Quer tirar reais do Brasil para pagar os ienes que você deve. Você precisa converter os reais em dólares, aqui mesmo, primeiro. 

Isso aumenta a demanda por dólar no Brasil. E a cotação da moeda americana sobe por aqui. Cresce a demanda, sobe o preço.  

Não é só aqui. Rola o mesmo em todos os países “estilo Brasil”, com moeda relativamente estável e juro alto – caso do México, por exemplo. A desmontagem dos carry trades é geral. 

Já o dólar desvaloriza em relação ao iene porque o dinheiro para pagar as dívidas no Japão aporta por lá na forma de dólares – que serão trocados por moeda japonesa. Isso enche o mercado japonês de dólar. Ou seja, amplia a oferta. Aumentou a oferta, caiu o preço. 

Essa parte não importa para a sua vida – a não ser que você ganhe salário em dólar e esteja planejando uma viagem para o Japão. O problema é, naturalmente, a pressão de alta sobre o dólar. 

Com a moeda americana mais cara, tudo o que a gente importa vai subindo de preço – seja o trigo do pão, sejam peças de automóveis, sejam blusinhas vindas da Ásia. Isso pressiona a inflação, e deixa mais difícil o caminho para a volta dos cortes na Selic – a função primordial da taxa do BC, afinal, é desacelerar as altas nos preços.

E se, no cenário atual, até os movimentos do BC japonês acabam pressionando o acelerador da nossa inflação, fica difícil vislumbrar a Selic de volta a um dígito tão cedo.