Os números de emprego nos Estados Unidos mostram que a economia americana está enfraquecendo, uma resposta natural aos juros altos por lá (entre 5,25% e 5,5% anuais desde julho do ano passado). Mas quem acompanha os dados com mais atenção diz que há um certo exagero na reação dos mercados a esses dados.
Para Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, ainda é cedo para afirmar que há uma recessão ou um cenário de retração abrupta – o que os especialistas chamam de hard landing. E, portanto, ainda não é possível defender hoje que haverá um corte mais forte nos juros pelo Federal Reserve, como o mercado começou a considerar.
A preocupação com uma desaceleração mais intensa da atividade econômica americana começou a crescer na quinta-feira (1) e chacoalhou os mercados financeiros globais. As bolsas americanas amargavam nesta sexta-feira (2) à tarde quedas superiores a 2% pelo segundo dia consecutivo. E o dólar sobe no mundo, respondendo a uma certa fuga de ativos de mais risco. No Brasil, a cotação chegou, no pior momento do dia, a encostar nos R$ 5,80.
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O número de vagas de emprego criadas nos Estados Unidos, dado conhecido como payroll, ficou em 114 mil em julho, muito abaixo da expectativa, de 185 mil. Já a taxa de desemprego subiu para 4,3%, ante 4,1% em junho.
Solange diz que os dados confirmam uma tendência de enfraquecimento do emprego, já observada há três meses. Juntamente com o resultado dos balanços das companhias de tecnologia americanas, relativos ao segundo trimestre, fica claro que há uma desaceleração econômica em curso.
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Em oposição a esses dados, Solange observa que o PIB americano relativo ao segundo trimestre veio forte. Houve um crescimento de 2,8%, acima dos 2% esperados pelos economistas.
Também os dados de vendas no varejo de junho mostraram estabilidade. E o PCE, o índice de preços de gastos com consumo – o índice de inflação mais observado pelo Fed – acelerou para 0,2% em junho, resultado compatível com um quadro de desaceleração suave da economia americana.
Esse quadro, diz Solange, invalida a leitura de parte do mercado de que o Federal Reserve está “atrasado” no corte de juros. “Há dois meses, vimos a inflação medida pelo PCE ainda muito resistente, especialmente na parte de serviços. Não havia como o Fed começar a cortar o juro diante disso”, defende.
Para ela, a reação exagerada dos mercados tem a ver com outra coisa: a [enorme] valorização recente dos ativos. As bolsas americanas acumulavam ganhos na casa de dois dígitos este ano, mesmo com o juro básico no maior patamar histórico desde julho do ano passado, no intervalo de 5,25% e 5,5%. Algumas companhias de tecnologia viram seu valor de mercado dobrar este ano. Ou até triplicar, como foi o caso da Nvidia.
“É uma questão de valuation. Não acho que esse movimento tenha fundamento”, afirma a economista. “Claro que o payroll é um dado importante, e ele veio fraco. Mas não temos um cenário claro de recessão.”
Caso um cenário de recessão nos Estados Unidos se consolide, o dólar deve se enfraquecer globalmente. Mas não está claro se o real vai conseguir se beneficiar desse movimento. “Temos nossas idiossincrasias”, diz. Ela se refere ao fato de o BC ter sido menos enfático em sua disposição de subir os juros no comunicado da última decisão do Copom, da quarta-feira (31).
Para ela, a recente alta da inflação e também das expectativas seria razão suficiente para que o comitê deixasse “a porta mais aberta” para elevar a Selic em breve. No entanto, no comunicado, o BC revelou que está de olho na inflação de 2026, e não mais na do próximo ano. Na prática, essa é uma tentativa de ganhar tempo para levar a inflação à meta. “Com essa incerteza sobre o BC e também sobre o quadro fiscal, não é claro para mim que o real vá conseguir se valorizar”, conclui.
Na terça (6), o Banco Central divulga a ata da reunião do Copom do dia 31. Há uma expectativa de parte do mercado de que a ata tenha um tom mais duro do que o comunicado divulgado logo após a reunião, o que ajudaria a dissipar o temor de uma postura mais frouxa (dovish) na política monetária.