“Pode parecer trivial, mas precisávamos acostumar o brasileiro a falar ‘Bí-uai-dí’”, diz Pablo Toledo, diretor de marketing (CMO) da BYD.
Hoje dá para dizer que os brasileiros estão mais do que habituados com a sigla da maior montadora de carros elétricos do mundo. Pudera. Difícil encontrar outra marca que esteja buscando tanto sua atenção neste momento quanto a BYD.
A chinesa escolheu a tríade do entretenimento brasileiro para apresentar veículos: um mix que envolve futebol, novelas e o principal programa de auditório do país, mistura que talvez só perca para a feijoada com caipirinha no gosto popular.
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Os números mostram: dessa forma, a BYD mexeu com o mercado de carros no Brasil. No ano passado inteiro, a empresa comercializou 18 mil veículos. Em 2024, bastaram sete meses para mais do que dobrar essa marca. De janeiro a julho, as vendas somaram 38,6 mil unidades.
A BYD chegou ao país em 2014, sem carros. Vendia apenas placas e módulos solares. Embora tenha se transformado em uma das principais fabricantes de veículos elétricos da China nos últimos anos, a BYD tinha negociado módicos 300 veículos por aqui em 2022, quando ainda não havia uma estratégia de vendas de automóveis para o Brasil.
A virada de chave foi há pouco mais de um ano, quando a montadora decidiu acelerar no país e desenhou seu plano agressivo de marketing. Desde então, saiu de basicamente desconhecida para uma das 10 maiores montadoras do país – à frente de marcas tradicionais, como Ford e Peugeot, perto da Honda, e com ambição de figurar no top 5 em um futuro próximo.
E o responsável por tocar essa estratégia é um jornalista que nunca havia pisado numa agência de publicidade. Pablo Toledo, o Chief Marketing Officer da BYD, fez a maior parte de quase duas décadas de carreira no jornalismo investigativo – chefiou por mais de 15 anos o núcleo de reportagens especiais da TV Record, um dos mais premiados da televisão brasileira, até o convite da BYD em abril do ano passado.
“O desafio era contar uma história. E eu sei identificar e contar boas histórias”, diz Pablo ao InvestNews. Para o executivo, o diferencial na comunicação da empresa é trabalhar a informação sobre a marca como se fosse “uma redação de hard news”. “Preciso ensinar meu consumidor o que é o nosso produto.”
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Murilo Moreno, consultor da Sequoia Estratégia e Marketing, lembra que existem padrões da publicidade automotiva que não mudam e que a própria BYD já os segue – como imagens dinâmicas dos carros, uma narração sóbria que cite as qualidades do produto etc. Por outro lado, aponta que os comerciais veiculados pela montadora chinesa são, de fato, mais informativos do que a média.
“A BYD quer massificar um produto que era completamente novo para o brasileiro. É um trabalho de introdução do carro elétrico, e essa publicidade tem sido mais didática”, avalia. “Talvez, se eu fosse um publicitário tradicional, a estratégia fosse muito mais de convencimento do que de informação.”
Massificação
Hoje, os principais investimentos da BYD em marketing estão concentrados na comunicação em massa, uma especialidade de Pablo dos seus tempos de jornalismo. Além de campanhas em rádios de todo o país, a montadora patrocina campeonatos de futebol, como o Paulistão, e as novelas da TV Globo. Fora isso, o principal garoto propaganda da marca é o apresentador Luciano Huck, atual “rei” dos domingos na televisão brasileira.
A maior parte desses meios de divulgação têm preços salgados – uma ação comercial no “Domingão com Huck” custa mais de R$ 300 mil e uma cota de patrocínio no Campeonato Paulista de Futebol pode valer algumas dezenas de milhões de reais. Pablo não revela o orçamento de marketing da BYD, mas diz que o budget acompanhou o crescimento da marca no mercado.
A estratégia de massificação da BYD não chega a ser uma novidade. Em 2011, a também chinesa JAC Motors apostou em Fausto Silva, o soberano dominical de então, para liderar a divulgação de seus automóveis. Apesar do barulho inicial, a empresa não decolou. De janeiro a julho deste ano, vendeu menos de mil carros no Brasil. O desempenho exemplifica a deterioração nas vendas da JAC vista desde seu auge – que, por acaso, foi no seu ano de chegada, quando vendeu mais de 20 mil carros.
“A BYD segue, sim, uma tática igual a da JAC: uma marca nova que gasta bastante para crescer”, reforça Murilo Moreno. “Ou você tem tempo para difundir sua marca ou você gasta mais dinheiro. É um modelo de onipresença que temos visto bastante também com as bets”, segue o especialista da Sequoia.
Pablo, da BYD, ressalta outro ponto: que o entendimento dos consumidores sobre a tecnologia da China melhorou, com a ascensão de marcas como TikTok, Huawei, Xiaomi… “Também tivemos iniciativas, como as da Caoa, em trazer marcas asiáticas para o Brasil. Elas ajudaram a preparar o terreno até a nossa chegada. Tivemos um timing favorável.”
A aposta nos comerciais de televisão, embora vista agora como acertada, não era o caminho inicial pensado pela matriz chinesa. Pablo e Alexandre Baldy, o VP responsável pela operação brasileira, tiveram que convencer os executivos globais de que valia apostar nessa via. A resistência era justamente porque a BYD já não investia na TV aberta da China há pelo menos sete anos. Preferia seguir por um caminho de publicidade digital.
Nas discussões, Pablo lembrou das diferenças culturais e que, aqui, a TV aberta segue com um importante poder de influência, especialmente para apresentar uma novidade – começando, como dissemos, pelo próprio nome da montadora. “Queremos que esse nome seja como uma convocação para os consumidores”, afirma o executivo ao lembrar da razão social da montadora: “Build Your Dreams”, ou “construa seus sonhos”.
Murilo Moreno lembra que, seguindo a estratégia de massificação, a BYD já superou a barreira de ser apenas conhecida pelos consumidores, passando para o segundo estágio: ter seus produtos na fase de consideração para compra. “A estratégia está dando certo, agora precisamos ver se já começou a dar retorno financeiro”. Por outro lado, Moreno reforça que a torneira de dinheiro não vai ficar para sempre aberta.
“Em algum momento, a BYD vai desacelerar esses investimentos”, lembra. Mas isso não significa necessariamente que ela irá perder a relevância junto ao público. “A publicidade automotiva tem uma base de pesquisas muito sólida para ter um investimento mais estratégico, e a própria experiência da BYD em outros mercados pode ajudar nisso.”
O plug-in
Depois de se apresentar ao consumidor e introduzir o carro elétrico, a estratégia de comunicação da BYD voltou-se a ensinar sobre os carros híbridos plug-in (PHEV, na sigla em inglês).
Os híbridos comuns têm dois motores, um elétrico e um a combustão. Esses já estão no mercado há um bom tempo, e a característica ali é que o propulsor elétrico atua como mero coadjuvante para reduzir o gasto de combustível. A recarga é automática, com energia recuperada durante as frenagens.
Já os PHEV, mais recentes, recarregam também na tomada, pois têm um plus: motor elétrico mais potente. Em geral, o bastante para que o carro rode por um bom tempo sem nem ligar o motor convencional, ao menos em baixas velocidades.
Eles buscam unir o melhor de dois mundos: o silêncio e o torque de um motor elétrico com a autonomia de um motor a combustão – dá para viajar sem se preocupar com pontos de recarga pelo caminho.
No Brasil, os híbridos sem tomada têm 29% do mercado de carros com algum grau de eletrificação. Os 100% elétricos respondem por 36%. Os PHEV, em crescimento acelerado, a 35%. A tendência, então, é que eles tomem em breve o topo do pódio.
No exterior é a mesma coisa. As vendas de híbridos plug-in têm crescido muito mais que as puramente elétricos. Ciente disso, a BYD triplica sua aposta no segmento.
O primeiro modelo híbrido plug-in da BYD foi o SUV Song Plus DM-i, de 2022. Ele teve uma nova versão lançada em maio deste ano, ao preço inicial de R$ 239,8 mil. E hoje é o carro mais vendido do país entre os PHEVs e os 100% elétricos. Em 2024, vieram outros dois híbridos plug-in, mais em conta, de olho em fazer mais volume no mercado: o Song Pro, de R$ 189,8 mil e o sedã King, de R$ 175,8 mil.
Os três modelos concorrem com marcas como a sueca Volvo, com sua linha XC, a alemã BMW, com diversos modelos, e a também chinesa GWM, com o Haval H6.
Já entre os 100% elétricos, a BYD domina o mercado, com a linha Dolphin, o esportivo Seal e o SUV Yuan. Veja aqui:
Desafios aqui e lá fora
No fim de julho, a BYD acertou uma parceria mundial com a Uber para ofertar 100 mil veículos elétricos aos motoristas que atendem no app. A BYD já tem uma parceria aqui no país com a 99, da também chinesa Didi, que serviu como um piloto para o acordo com a plataforma americana, diz Pablo.
A América Latina e, consequentemente, o Brasil estão sendo priorizados no acordo com a Uber. A estratégia, com contornos de marketing de boca a boca e awareness, sinaliza para quais direções do globo a montadora tem encontrado terreno mais fértil para seus produtos.
Com taxações cada vez mais agressivas para veículos vindos da China por Estados Unidos e União Europeia, o Brasil se tornou um destino natural por ter um mercado consumidor relevante (6º do mundo) e que se mostra mais amigável à entrada aos automóveis produzidos nas terras de Xi Jinping.
Importante destacar que a BYD terá veículos produzidos no Brasil em breve. A montadora assinou um acordo no ano passado para a compra da antiga planta da Ford, em Camaçari (BA), em um investimento que deve alcançar os R$ 3 bilhões. O objetivo será produzir seu primeiro híbrido plug-in flex – um carro que pode andar com eletricidade, gasolina e etanol – esse último uma especificidade 100% brasileira.
B2B
Apesar de ter se popularizado com a venda de carros, a BYD também segue com a estratégia de vender outros produtos no país, em seu canal para empresas (B2B). Nele, a fabricante negocia motores elétricos, painéis e módulos solares – os dois últimos passarão a ser negociados também nas concessionárias da BYD.
O CMO conclui: “Estamos nos carros, podemos estar nos ônibus, estaremos nos trens da Linha-17 de São Paulo, nos apps de transporte. Somos uma greentech que tem raízes fortes na mobilidade urbana.”