A febre das bets e das criptomoedas se tornou um ralo de dinheiro para fora do país nos últimos anos. Nem todo mundo se dá conta, mas boa parte das bolsas digitais e das plataformas de jogos funciona no exterior. Portanto, ao fazer uma aposta ou comprar cripto, o usuário está mandando dólares para outro país.
O volume tem crescido tanto que chamou a atenção do Banco Central e do próprio governo.
Em evento na semana passada, o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, citou as criptomoedas como possível parte de um novo cenário de consumo digital, que incluiria as bets.
Só os gastos de brasileiros com as criptomoedas entre 2018 a 2023 somaram US$ 39,6 bilhões – ou R$ 213,8 bilhões –, segundo dados do BC. O crescimento foi de nada menos que 11 vezes nesse período de cinco anos.
Entre janeiro e maio deste ano, os brasileiros que compraram cripto mandaram para fora do país US$ 7,3 bilhões. O volume acende uma luz amarela porque já tem exatamente o mesmo tamanho de outra atividade que há tempos pesa na balança de pagamentos: os gastos com o turismo de brasileiros no exterior.
Se mantiver a tendência de crescimento, as criptos vão passar o turismo em breve. No ano passado, as estatísticas mostram que o investimento em criptomoedas alcançou US$ 11,7 bilhões (R$ 64,1 bilhões pelo câmbio atual) e o de gastos com turismo no exterior, de US$ 14,5 bilhões (R$ 79,5 bilhões). Em 2024, de janeiro a maio, ambos cravaram o mesmo número: os já citados US$ 7,3 bilhões (R$ 40 bilhões, pelo câmbio atual).
Outro lado da moeda
O diretor de novos negócios da exchange brasileira Mercado Bitcoin, Fabricio Tota, defende a necessidade de o mercado ter mais informações sobre as operações com criptomoedas. “O mundo cripto criou uma possibilidade do livre fluxo de capitais, de poder mandar dinheiro pra qualquer lugar do mundo de forma muito rápida, simples e barata.”
Tota, porém, questiona os números divulgados pelo BC. Para o especialista, as estatísticas só mostram um dos lados das transações, o da remessa de valores. “Precisamos olhar também tudo o que está voltando”, diz. Ele se refere ao fato de que, quando o investidor decide resgatar os recursos que aplicou nas criptomoedas, o lucro pode retornar ao Brasil.
Seja como for, as estatísticas mostram que tanto as cripto como as bets provocam um buraco nas contas externas – que nada mais é do que o saldo entre todos os recursos que entram e os que saem do país, com potencial de influenciar o comportamento do câmbio.
No caso das cripto, além do fato de a maioria das “exchanges” – as bolsas de negociação dessas moedas digitais – funcionar no exterior, elas concorrem com produtos de investimento tradicionais, como renda fixa e ações. Quando alguém coloca dinheiro em um título de renda fixa ou investe em um ação na bolsa brasileira, por exemplo, financia as atividades de uma empresa ou do governo. Não é o caso da aplicação nas criptomoedas, que tira recursos do mercado local.
Bets: buraco é ainda mais fundo
No caso das apostas online, as chamadas bets, não existem estatísticas oficiais. Mas muita gente tem se dedicado a estimar as cifras envolvidas no mercado da jogatina digital. E todos chegam à mesma conclusão: o crescente volume financeiro já pode chegar a mais de uma centena de bilhões de reais por ano.
O Itaú Unibanco, por exemplo, divulgou um relatório no qual projeta um gasto bruto de R$ 68,2 bilhões pelos brasileiros com as bets em 2023. O estudo estima ainda que os usuários locais conseguiram sacar R$ 44,3 bilhões de prêmios. Ou seja, os apostadores perderam R$ 23,9 bilhões (US$ 4,36 bilhões, pelo câmbio atual) em um ano.
O saldo que ficou com as plataformas no exterior é significativo. Supera, por exemplo, o total de exportações brasileiras ao Canadá no ano passado. As vendas ao país da América do Norte somaram US$ 4,2 bilhões ou R$ 22,8 bilhões em 2023.
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Em outro estudo, o Santander calcula um desembolso total de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões pelos brasileiros ao ano em apostas, sem considerar ganhos com prêmios. A cifra, nesse caso, reúne também o dinheiro destinado às loterias oficiais, junto com apostas online e jogos informais.
O número mais chamativo do relatório é aquele que revela o crescimento do mercado em cinco anos: os gastos com apostas multiplicaram por cinco desde 2018. Esse crescimento acelerado das bets se tornou fonte de preocupação para vários setores. Isso porque há evidências de que usuários das plataformas de jogos têm reduzido o consumo para fazer apostas. O próprio Banco Central tem soado o alerta dessas mudanças.
Efeito na economia doméstica
Ao falar sobre as bets, o diretor do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse suspeitar que parte do aumento da renda da população pode estar sendo direcionada às apostas. “Talvez o crescimento da renda possa estar vazando para esse tipo de atividade”, disse o diretor em evento na semana passada. O que chamou a atenção da autoridade foi que, mesmo com uma taxa de desemprego muito perto do menor nível da história, o aumento de renda refletido pelas estatísticas não tem se transformado em mais consumo ou poupança.
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O estudo do Santander, baseado em dados do IBGE, deixa bem evidente o peso dessa mudança do comportamento no orçamento dos brasileiros. O relatório mostra um aumento explosivo da participação de gastos com jogos de azar e apostas online em relação à renda das famílias. A participação pode ter triplicado: de 0,8% em 2018 para uma faixa entre 1,9% a 2,7% em 2023.
Galípolo afirmou ter ouvido relatos de redes de varejo e supermercados que apontam o dedo para o crescimento das apostas online como um concorrente para as vendas de bens e serviços. Até as empresas de telefonia têm percebido esse impacto. O presidente da Claro, Paulo César Teixeira, afirmou em evento já ver as plataformas de apostas como suas principais rivais na conquista do bolso dos clientes.
Governo quer seu quinhão
De olho no crescimento exponencial das bets, o Ministério da Fazenda tomou a inciativa de regular o universo das apostas online. Em um momento em que o governo busca arrecadar mais, garantir uma fatia nesse mercado pode mudar o jogo das contas públicas.
Se não pretende fechar o sumidouro monetário, o ministério planeja montar um encanamento paralelo e manter parte dessa irrigação financeira por aqui. Para isso, criou exigências ao funcionamento dessas empresas de apostas, como:
- aprovação pelo Ministério da Fazenda,
- ter sede e administração no Brasil,
- ter participação de, no mínimo, 20% de um grupo nacional como sócio,
- ter R$ 5 milhões em provisões para garantir o pagamento dos prêmios e
- pagar R$ 30 milhões em outorga (licença) ao governo.
A Fazenda também estabeleceu uma tributação sobre as receitas brutas das bets. A meta é arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões por ano.
Como a alíquota prevista no imposto da jogatina ficou em 12%, isso significa que, nas estimativas das autoridades, as plataformas online podem movimentar algo em torno de R$ 100 bilhões a R$ 125 bilhões a cada 12 meses.
Em uma primeira leva, com prazo de cadastramento até terça (20), o governo recebeu 113 solicitações de 108 empresas para operar plataformas de apostas no Brasil. Se receberem autorização da Fazenda, elas poderão atuar a partir de janeiro de 2025.