Os planos de previdência privada no Brasil correm o risco de pagar o chamado “imposto da herança“? A resposta a esta questão, que mexe no bolso de milhões de brasileiros, está no STF (Supremo Tribunal Federal).
Um recurso extraordinário parou no Supremo após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerar inconstitucional uma lei fluminense que autorizava a cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) nos planos de previdência.
O governo do Rio entrou com recurso, e a questão acabou sendo encaminhada ao STF, que vai formular um entendimento de repercussão geral para o tema. A tributação também está presente no projeto de lei complementar que regulamenta a Reforma Tributária.
O ministro Dias Toffoli, que é relator do recurso que está no Supremo, já deu seu voto: é contra a tributação. Dois outros ministros concordaram com ele: Flávio Dino e Alexandre de Moraes. Gilmar Mendes pediu vista ao processo nesta semana e o assunto, que tinha desfecho previsto para até este 30 de agosto, ganhou mais 90 dias de análise. A resposta, portanto, ficou para, no mínimo, fim de novembro.
O julgamento vai decidir se o ITCMD, um imposto de competência estadual, incide sobre os dois tipos de planos de previdência privada: o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). As alíquotas do imposto variam por Estado – em São Paulo, por exemplo, ela é única, de 4%, mas a máxima, segundo resolução do Senado, não pode passar de 8%.
LEIA MAIS: ITCMD: Como calcular e declarar o imposto sobre herança
A taxação ocorreria no momento da morte do titular e da transferência dos valores para os beneficiários por ele indicados. Hoje, essa transferência está livre de impostos como o ITCMD. Em outros tipos de transferências para herdeiros, como o de aplicações em fundos de investimento ou em CDBs, o ITCMD é cobrado.
Especialistas são contra tributação
Especialistas da área tributária consultados pelo InvestNews salientam que os planos de previdência caíram na mira do ITCMD devido à brecha de isenção. “Mas ninguém contrata um PGBL ou VGBL para sonegar imposto. A transferência de patrimônio após a morte é um cumprimento de contrato”, explica Luiz Henrique Veronezi, advogado e sócio do PLKC Advogados.
“O beneficiário também pode ser qualquer pessoa escolhida pelo titular e não necessariamente um herdeiro direto, o que descaracteriza uma transação relacionada à herança”, salienta a advogada Luísa Macário, tributarista do Grupo Nimbus.
Pelas regras atuais, o dinheiro acumulado em um plano de previdência privada não precisa passar por inventário. Com menos burocracia e mais agilidade, os valores podem chegar à conta bancária do beneficiário indicado em questão de dias.
O Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), que forneceu informações ao STF na análise da ação (aminus curiae), explica em seu site que o VGBL e o PGBL têm naturezas jurídicas e impactos distintos nas questões de família e sucessão.
O VGBL é um mix de previdência e seguro, com o pagamento de importância em dinheiro aos beneficiários indicados pelo titular, mas comporta-se mais como seguro do que previdência. Já o PGBL tem um caráter mais previdenciário, pois começa-se a receber os benefícios da aplicação financeira após certa idade.
STF x Congresso
Caso o STF entenda que a cobrança de ITCMD nas transferências previdenciárias é inconstitucional, outro texto que trata da mesma questão, mas no Congresso, perderá força.
O PLP 108/2024 integra a segunda fase de regulamentação da Reforma Tributária e foi aprovado, neste mês, na Câmara dos Deputados. O projeto seguiu para o Senado e ainda aguarda votação.
Pela proposta, investidores com mais de 5 anos de VGBL contratado, a partir da data do aporte inicial, estariam isentos do ITCMD. No caso do PGBL, o imposto incidiria sobre o PGBL independentemente do início do prazo de contratação.
Vale lembrar que, na primeira fase da Reforma Tributária,o texto aprovado na Câmara criou a alíquota progressiva do ITCMD e a taxação de valores recebidos no exterior, entre outros pontos, que ainda precisam de lei complementar para ganhar validade.
LEIA MAIS: Os 11 pontos-chave da reforma tributária
O que fazer?
Luísa Macário, que atua como advogada tributarista em Santa Catarina, diz notar uma corrida de clientes para reorganizar o patrimônio devido às mudanças trazidas na Reforma Tributária.
“É porque as portas de isenção estão realmente se fechando. Os planos de previdência ainda têm a última delas aberta”, enfatiza Erlan Valverde, advogado e sócio da área tributária do TozziniFreire, em São Paulo.
Segundo Valverde, o PGBL e o VGBL são usados de forma complementar em casos de heranças ilíquidas, cujo patrimônio não é facilmente convertido em caixa. “Isso ajuda o herdeiro a garantir, inclusive, o pagamento dos custos de inventário”, diz.
Mas não adianta correr. A recomendação dos especialistas é esperar os desdobramentos do STF e do Congresso. “Até porque um estudo prévio de planejamento sucessório tem seus custos e, no cenário atual, tudo pode mudar”, lembra Luiz Mazetto, do PLKC Advogados.
No Brasil, pouco mais de 15 milhões de famílias têm algum tipo de plano de previdência privada sob a gestão de seguradoras.