Os resultados das empresas nos primeiros meses do ano surpreenderam positivamente os analistas. E servem de bom presságio para o investidor: a colheita de dividendos, a fatia do lucro paga aos acionistas, vai ser farta – talvez até recorde, segundo projetam especialistas. Momento adequado para olhar com atenção para os bons nomes e tentar montar uma estratégia eficiente de dividendos.
A principal explicação para esse desempenho mais forte das empresas nos dois primeiros trimestres do ano é que elas geraram mais caixa do que dívida. Tanto é que a alavancagem das empresas no Brasil está abaixo da média dos últimos dez anos, segundo o analista da Ágora Investimentos Ricardo França. E isso dá mais conforto para remunerar o acionista.
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Mas não é só. A taxa básica de juros ainda alta no país (de 10,5% ao ano, atualmente) desestimula a alocação de recursos das empresas em novos projetos, pelo elevado custo de capital. E aí sobra mais dinheiro para irrigar o campo dos dividendos e dos juros sobre capital próprio, uma “jaboticaba” brasileira e outra maneira de as empresas remunerarem seus acionistas.
O destaque até agora – excluindo Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3), dois colossos que merecem tratamento à parte – são bancos e elétricas. Juntos, esses dois segmentos respondem por mais da metade (53%) dos R$ 80,3 bilhões em proventos (dividendos e juros sobre capital próprio) distribuídos no primeiro semestre, volume que supera em 22,6% a marca em igual período de 2023.
Seguros, petróleo/biocombustíveis e telecomunicações completam, nessa ordem, a lista dos cinco setores mais representativos em termos de proventos. Esses três segmentos (e lembrando que o levantamento exclui Petrobras) pagaram 14,4% dos R$ 80,3 bilhões em proventos do primeiro semestre.
Somando-se os cinco setores, eles foram responsáveis por uma fatia equivalente a 67,4% do bolo total pago no intervalo, os tais R$ 80,3 bilhões, cifra que já flerta para um novo recorde anual, considerando a tendência do segundo semestre ultrapassar o primeiro. Tem sido assim nos últimos quatro anos, pelo menos.
O levantamento foi elaborado por Einar Rivero, sócio fundador da consultoria Elos Ayta, e abrange 303 empresas, excluindo Petrobras e Vale. Revelando a identidade dos vencedores em cada segmento principal, temos: Itaú Unibanco (ITUB4) em bancos, com R$ 16,7 bilhões desembolsados no primeiro semestre; CPFL Energia (CPFE3) em energia, com R$ 1,9 bilhão; BB Seguridade (BBSE3) em seguros, com R$ 2,5 bilhões; Cosan (CSAN3) em petróleo/biocombustíveis, com R$ 2,2 bilhões; e Telefônica Brasil (VIVT3) em telecomunicações, com R$ 1,8 bilhão.
Como escolher um papel de dividendos
Segundo especialistas, anúncios eventuais não fazem de uma empresa uma boa pagadora de dividendos: é preciso ter regularidade. Por isso, é praxe analisar o histórico dos últimos três a cinco anos, no mínimo.
Em geral, são empresas de setores mais resilientes, que apresentam estabilidade nos lucros e baixo endividamento, diz Bruna Sene, analista de renda variável da Rico. Tradicionalmente, grupos maduros e com negócios estáveis, que já não demandam grandes investimentos para crescer, conseguem pagar bons proventos. Nesse trabalho, os analistas consideram ainda o potencial de distribuições, por meio de estimativas que partem da geração de caixa.
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Mas como mensurar o retorno com dividendos? O indicador mais utilizado pelo mercado para avaliar as melhores pagadoras é o chamado dividend yield, ou taxa de retorno do dividendo. O cálculo consiste em dividir o valor dos proventos pagos por ação pelo preço do papel na Bolsa. Depois, é preciso multiplicar esse resultado por 100 (para visualizar o dado em percentual).
Por exemplo, se uma ação vale R$ 10 e distribuiu R$ 1 de dividendo ao acionista, a conta fica assim: R$ 1/R$ 10 = 0,10 x 100 = 10%.
Para além da frieza dos números, cada empresa tem sua história e seus ciclos de desenvolvimento. E o investidor deve refletir sobre seus objetivos, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
Desempenho passado não garante retorno futuro, é verdade. Mas o histórico das empresas é sempre uma das variáveis a serem observadas. Um segundo estudo da Elos Ayta, que inclui as empresas Petrobras e Vale, mostra as dez companhias com os maiores dividend yield nos últimos cinco anos (o cálculo considera as medianas):
O poder da multiplicação
Ao receber dividendos, o investidor tem basicamente três alternativas: 1) simplesmente gastar o valor; 2) direcionar o recurso para outra aplicação ou 3) reinvestir nas próprias ações. Em linhas gerais, adotando um critério de coerência, especialistas defendem que uma estratégia focada em dividendos faz mais sentido para quem mira o longo prazo e, portanto, reinveste os proventos – visando a acumulação de capital.
Para ilustrar essa tese, o analista Rafael Reis, da BB Investimentos fez alguns cálculos, a pedido do InvestNews. Reis usou o exemplo da Taesa, uma distribuidora de energia bastante lembrada quando o assunto é dividendos. Nos últimos cinco anos, o retorno com o papel (TAEE11), considerando os proventos recebidos, mas não reinvestidos, ficou em 98%. Aqui vale lembrar que, mesmo que não tenha reaplicado, o investidor efetivamente recebeu o dinheiro. No entanto, se a decisão tivesse sido reinvestir no mesmo papel, o chamado “retorno total” subiria para 118,6%.
Na prática, trata-se de um ganho composto, que fica ainda mais claro em intervalos maiores. Imaginando um período de dez anos, por exemplo, e o mesmo papel da Taesa, o lucro sem o reinvestimento dos dividendos ficaria em 200%, atingindo 389% se o investidor tivesse optado por comprar mais papéis da companhia com os proventos recebidos.
O que os analistas recomendam?
Nos últimos anos, Petrobras e Vale têm ocupado lugares de destaque na temática de dividendos. Para se ter uma ideia, juntas elas distribuíram R$ 66,7 bilhões no primeiro semestre, pelos cálculos da Elos Ayta, o que equivale a 83% do total desembolsado por outras 303 empresas – sim, aqueles R$ 80,3 bilhões.
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Segundo especialistas, apesar da volatilidade nos preços do petróleo e do minério de ferro, elas continuam no radar para quem busca boas pagadoras de proventos. A Ágora estima um dividend yield médio entre 13% e 14% para a petrolífera neste ano e próximo a 13% em 2025. Para a Vale, a projeção média é entre 8,5% e 9% em 2024 e perto de 10% no ano que vem.
Além desses, outros três nomes figuram entre os mais lembrados desde o início do ano, considerando as carteiras recomendadas por dez instituições compiladas pelo InvestNews: Banco do Brasil (BB), Telefônica Brasil e BB Seguridade. Para o BB, as projeções do BTG Pactual são de yield de 11,2% neste ano e 11,5% no próximo. A Ágora prevê um yield de 6,6% para a dona da marca Vivo em 2024 e de 7,6% em 2025. Para a BB Seguridade, as projeções são de 8,8% neste ano e 10% no próximo, segundo a Ágora.
A lista se completa com quatro elétricas de presença constante nas indicações de dividendos: CPFL Energia, para a qual a Ágora estima um yield médio de 11% para este ano e o próximo; Taesa, com 8,2% também para os dois anos; Engie, na casa de 7,6% nos dois períodos; e Cemig, com 7,2% esperado em 2024 e 7,7% em 2025.
José Francisco Cataldo, superintendente da Ágora, diz que o momento é propício para quem buscar papéis de dividendos, oferecendo uma proteção extra para o investidor em Bolsa com perfil um pouco mais conservador. “Mesmo se tiver uma realização de lucros lá na frente [da Bolsa, de maneira geral], são setores e empresas mais consolidadas, mais bem posicionadas em termos de estrutura de capital.”