(DE NOVA YORK) Candidatos costumam sentir aquele frio na barriga ou uma certa ansiedade em uma entrevista de emprego importante. Mas poucos se dão conta de como o processo de recrutamento exige preparação de empregadores, especialmente fundadores de primeira viagem. Como ensiná-los a conduzir uma entrevista bem-sucedida? Como fazer com que o candidato ou candidata sentado à sua frente baixe a guarda e conte o verdadeiro motivo pelo qual ele deseja a vaga?
“Há exercícios que capacitam um fundador a acreditar em si, usar a voz como instrumento, ou treinar a habilidade da escuta,” diz o americano J. Patrick Gorman, especialista em recrutar executivos para altos cargos (C-level) para startups, empresas de tecnologia que recebem investimentos de fundos de venture capital.
Radicado em Austin, no Texas, depois de 11 anos vivendo em São Paulo, Gorman diz que é preciso reparar em algumas respostas clichês, que sinalizam que, no fundo aquele candidato não quer estar ali.
“Já vi uma candidata abocanhar um donut durante a entrevista com meu cliente. Tem de tudo”, alerta ele, que já alocou cerca de mil profissionais em empresas dos Estados Unidos e do Brasil e é autor do livro “Recruit the Remarkable: A First-Time Founder’s Guide to Hiring Exceptional People” (Recrute o Notável: Um Guia Para os Fundadores de Primeira Viagem Contratarem os Excepcionais), lançado este ano pela editora Group Gorman e disponível no kindle por R$ 74,30.
No livro, ele despeja conhecimentos acumulados em seus vinte anos como headhunter, atuando nos bastidores de grandes contratações de empresas americanas e brasileiras, especialmente em startups em suas fases iniciais. Na lista estão nomes como Nubank, Loft, Uber, QuintoAndar, PayPal, Creditas, Neon, Genial Care e 99.
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Logo na primeira página de seu livro, Patrick ressalta que a prioridade de um fundador é manter a cultura da empresa. E conta que muitos fundadores levam meses para contratar profissionais alinhados com esta cultura, por meio de erro e acerto. “Se fosse fácil, você não precisaria de mim e muito menos deste livro”, escreve.
Fluente em português, ele diz que os fundadores mais renomados do Brasil compartilham traços comuns: escutam seus candidatos, colocam o recrutamento em primeiro lugar, respiram autoconfiança, acreditam piamente no que fazem e conhecem suas capacidades de execução.
“Ajudei essas startups a recrutar pessoas com mentalidade global, uma pitada de audácia, e credibilidade para além de suas fronteiras geográficas. Ao mesmo tempo, elas têm habilidade de dirigir uma empresa e gerenciar pessoas na cultura local,” diz.
Gorman reforça que, ao recrutar brasileiros, suas entrevistas não diferem tecnicamente das feitas por headhunter locais. “No entanto, estou olhando para aquele brasileiro sob a lente de americanos, analisando se aquele candidato se encaixa na minha cultura,” conta. Patrick explica a razão: uma startup que tem investidores e capital de risco dos EUA, Europa ou Ásia precisa de uma liderança que fale a mesma língua cultural.
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Em empresas brasileiras que recebem aportes do Vale do Silício (como Sequoia Capital), da General Catalyst, General Atlantic ou de bancos como a Goldman Sachs, líderes precisam informar seus resultados para pessoas que não falam português e nunca viveram no Brasil. Além disso, esse grupo de executivos precisa realizar road shows para buscar mais investimentos à medida que as empresas crescem.
“Minha tarefa é a de analisar se esses brasileiros terão postura para construir essa ponte”, afirma ele, que também pinça brasileiros para trabalharem em empresas americanas que atuam no Brasil.
Adaptação a novas culturas
Compreender a nova cultura, do país e da empresa, são essenciais no processo. E de adaptabilidade cultural Patrick entende. Nascido em Chicago, ele ingressou na consultoria Arthur Andersen em 1997, à época uma gigante com 85 mil colaboradores globais e uma das chamadas “Big Five” entre as empresas de consultoria e auditoria.
Numa bela tarde de 2001, um sócio da Arthur Andersen anunciou que um dos clientes, a texana Enron, de energia, estava em maus lençóis. Resultado: metade da equipe foi demitida. A outra metade passou para a KPMG, que adquiriu a operação.
Gorman foi convidado a ficar, mas preferiu recomeçar a vida em Nova York, cidade pela qual se apaixonou durante a temporada em que participou da abertura de capital (IPO) da Coach, empresa de bens de couro no mercado de luxo. Seguindo os passos de dois colegas da Arthur Andersen, ele se tornou headhunter, ingressando em uma empresa chamada ExecuSearch.
Foi lá que ele conheceu a colega que se tornaria sua sócia na iFind, empresa de recrutamento de executivos que ele fundou. A dupla começou com o pé direito: o primeiro cliente trazido por sua co-fundadora foi o banco Goldman Sachs. A parceria durou cinco anos, até Gorman vender sua parte, assinando um contrato de um ano de non-compete.
Temporada brasileira
O timing foi ideal. Na época, conheceu uma brasileira, com quem acabou se casando e tendo um filho, hoje adolescente. Aos dois anos, a criança já era bilíngue, mas Gorman só falava “bom dia” e “pão de queijo”. Para ganhar fluência no português, resolveu deixar Manhattan e se mudar para o Brasil com a família.
Em 2012, Gorman aportou em São Paulo sem nenhum contato profissional, sem falar o idioma e sem emprego. Segundo sua mãe, o filho deu uma mordida na “humble pie”, ou na “torta da humildade”. “Aprendi que o Brasil não tinha que mudar – era eu que teria que me adaptar.”
Aos poucos, ele entrou no nicho das startups de tecnologia que começavam a borbulhar em São Paulo. “Este mercado tem alta demanda por profissionais de liderança com experiência profissional no exterior, diplomados nas melhores escolas de business. É uma combinação muito rara”, diz o headhunter, que costuma recrutar brasileiros formados nas dez melhores faculdades de MBA do hemisfério norte, como INSEAD, Stanford, Harvard, Kellogg ou London Business School.
Dicas para profissionais que vão para os EUA
Aos brasileiros que vão morar nos Estados Unidos a trabalho, Gorman costuma dar um recado: americanos não são frios. “Existe uma atitude de positividade, autoconfiança e patriotismo, na cultura americana, que pode ser interpretada como arrogância. Nossa cultura do ‘yes, we can’ provavelmente está relacionada à forma como derrotamos o Império Britânico para ter o nosso país.”
O headhunter reforça ainda a cultura da produtividade, foco no trabalho e competição. Diz ser aceitável que um americano questione sobre a profissão logo nos primeiros minutos de conversa com alguém que acaba de conhecer. Ele recomenda ainda que brasileiros tentem fazer amizades com americanos e aprendam as regras do beisebol e feriados como o de Ação de Graças (Thanksgiving).
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“Nosso vocabulário gira em torno do beisebol, da forma como o português tem tiradas saindo do futebol”, avisa.
Na contramão, para os estrangeiros indo para o Brasil, ele avisa que o convite de um brasileiro para jantar na casa dele ou para um churrasco no quintal é um sinal de que o estrangeiro foi incluído no círculo de amizades. “Isso não acontece todos os dias. Se alguém te convidar, jamais recuse! A partir daí, vocês verão que os brasileiros são amigos maravilhosos. Você pode contar com eles”, diz.