Sabe metáfora do “copo meio cheio, meio vazio”? Então. Difícil imaginar algo que personifique melhor essa analogia do que gastos com saúde. Na hora de pagar a conta, copo vazio. Na hora de declarar o IR, copo cheio
Natural. Cada uma das despesas dessa natureza diminui a sua “base tributável” – o bolo de dinheiro do qual o leão tira uma fatia. Quanto menor o bolo, menor a fatia que ele come. Além disso, não há limite. Tudo o que entrar como gasto de saúde tipo vai necessariamente reduzir o tanto que você tem a pagar, ou turbinar o que você tem a receber.
Um prato cheio para fraudadores.
Justamente por isso a Receita fiscaliza esse tipo de despesa na declaração com uma lupa do tamanho de uma frigideira. Imprecisões nos gastos com saúde são as que mais levam os brasileiros à malha fina. No ano passado, do 1,4 milhão de declarações que foram parar na malha fina, 42,3% acabaram lá por conta de inconsistências nas despesas médicas.
O problema: não falta gente honesta nesse mundaréu de presos na malha. São pessoas que cometeram erros por desconhecimento, ou que se complicaram por erro do consultório ou do hospital. Vamos ver alguns aqui.
As consultas com reembolso
Que atire a primeira pedra quem nunca cogitou pagar uma consulta, pegar reembolso do plano de saúde e declarar o valor cheio para abater do IR. Normal. Mesmo Madre Tereza de Calcutá poderia simplesmente achar que o leão é um animal generoso.
Não é, por óbvio.
O felino deixa um campo no software de declaração justamente para que você coloque o tanto que recebeu de reembolso. A consulta custou R$ 700 e o plano te devolveu R$ 300? Ok. No campo “Valor pago” você coloca “R$ 700”; no campo “Parcela não dedutível/valor reembolsado”, entram R$ 300 (lembrando que as despesas com saúde devem entrar na ficha “Pagamentos“). É isso. Aí só os R$ 400 que saíram efetivamente do seu bolso vão reduzir a base tributável.
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Despesas médicas que não valem
Sessão de acupuntura, vacinas, testes de covid, além de serviços de enfermagem não ligados à internação hospitalar, não contam como despesa dedutível. “É o caso de uma enfermeira contratada para cuidar de um familiar em casa, por exemplo”, diz Charles Gularte, vice-presidente de operações do escritório de contabilidade Contabilizei.
O que pode de fato entrar na prestação de contas ao leão são os gastos com: médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, além de despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, ortopédicos e próteses.
Remédios também não entram.
Outro erro que pode dar ruim: seu filho tem uma despesa médica e, na declaração, você coloca o gasto no seu CPF, já que quem pagou foi você. Tem lógica. Mas o médico vai ter colocado a despesa no CPF do seu filho. Aí as informações trombam e o leão aparece de trás de uma moita para te jogar na malha fina.
Quando o médico não declara
Um problema comum é apresentar uma despesa que não foi declarada pelo consultório ou pelo hospital. Se isso acontecer com você, entre em contato com o profissional e peça para que ele corrija a informação junto à Receita. Se ele não fizer isso, você terá de enviar os documentos que comprovem a transação. (Veja como fazer logo abaixo).
Outra falha corriqueira é o médico fornecer ao paciente um recibo com um valor, mas declarar outro. Ou mesmo quando as declarações são enviadas em momentos distintos. “É o caso de uma despesa que o médico informou corretamente, mas que ainda não foi processada no momento em que o contribuinte fez a entrega”, esclarece a contadora Mônica Porto, da Omie, uma plataforma de gestão (ERP).
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Como resolver as pendências
O robozinho da Receita detecta automaticamente certas inconsistências logo que você envia a declaração, via cruzamento de informações.
Se você não tem certeza sobre a sua situação, este este é o passo a passo para saber se há pendências:
- Acessar o site ou aplicativo “Meu Imposto de Renda”, da Receita
- Clique em “meu imposto de renda” e no botão “iniciar” do lado direito da tela
- Na sessão “Serviços do IRPF”, acesse “Pendências de Malha”
Se você tiver de comprovar transações, o próprio sistema vai liberar o upload para o envio dos documentos – como recibos.
Esse é o caso de quem precisa comprovar uma despesa não declarada pelo médico ou pelo hospital.
Mas se você notar algum erro não notificado pela Receita ou perceber que deixou de informar algum gasto, é melhor mandar uma declaração retificadora para corrigir de uma vez. Na área “Meu Imposto de Renda”, o selecione o ano da declaração e escolha a opção retificar restituição, do lado direito da tela.
A declaração fica retida na malha fina até que a divergência seja resolvida ou os documentos apresentados para comprovar as informações sejam analisados. Você não recebe a restituição enquanto a declaração tiver pendências.
Charles Gularte, da Contabilizei, orienta acompanhar o status da declaração entregue até que ela conste como “processada” ou “em fila de restituição”. Esses status demonstram que – pelo menos por enquanto – não foram encontradas inconsistências.
Mas vale lembrar: há divergências que demoram mais tempo para serem detectadas. A Receita tem um prazo de 5 anos para analisar a declaração – por isso os especialistas orientar guardar por esse prazo todos os recibos que comprovem qualquer despesa informada ao leão. “Algumas análises feitas pela Receita são mais criteriosas, como situações em que o aumento de patrimônio não é justificado pelas receitas declaradas”, diz Gularte.
Intimação
Quem não resolver as divergências que o leão farejar pode receber uma intimação com o pedido de documentos para comprovar as informações declaradas. Segundo a Receita Federal, as intimações são normalmente enviadas no ano seguinte ao da entrega da declaração. E o prazo para regularizar tudo é de 30 dias.
E se não der certo? Gularte explica: “Caso o contribuinte não consiga comprovar a veracidade das informações apresentadas, poderá receber multa de até 75% do valor do imposto devido, assim como ser indiciado criminalmente por sonegação de impostos.”