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Risco local dispara e abre ‘boca de jacaré entre juro longo do Brasil e dos EUA

As taxas longas do mercado de renda fixa brasileiro encerraram o primeiro semestre ainda mais descoladas do comportamento de suas pares norte-americanas. Enquanto em junho o rendimento da T-Note de 10 anos cumpriu trajetória descendente, fechando o mês na casa dos 4,30%, as taxas longas no Brasil, ao contrário, subiram, para além dos 12%. O descompasso ocorre tanto em função da percepção de melhora do cenário inflacionário nos EUA, que afeta o fluxo de capitais para os mercados emergentes como um todo, como também da piora da percepção de risco doméstica, sobretudo com a situação fiscal e ruídos políticos.

O diferencial vem abrindo desde o começo do ano, mas se acentuou em junho, justamente quando começou a ficar mais clara a possibilidade de início do ciclo de corte de juros nos Estados Unidos em setembro, a partir de dados de inflação mais favoráveis, o que fortaleceu o dólar e enfraqueceu moedas de economias emergentes. O rendimento da T-Note de 10 anos fechou maio em 4,49% e no dia 28 de junho estava em 4,39%, chegando a rodar perto de 4,20% a meados do mês passado.

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Ao mesmo tempo, no Brasil, a percepção fiscal foi piorando com sinais de exaustão da busca de fontes de aumento da receitas, do qual depende a sustentação do arcabouço, e de resistência do mundo político em revisar gastos. A desancoragem das expectativas de inflação ganhou força e a taxa de câmbio disparou, em situação permeada ainda pelas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao trabalho do Banco Central.

O contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para 2035, por exemplo, fechou junho a 12,40%, de 11,92% no fim de maio. A taxa das Notas do Tesouro Nacional – Série F (NTN-F) 2035, papel prefixado mais longo da dívida pública, saiu de 11,96% no fim de maio para 12,24% no fim de junho, pela marcação da Anbima.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, chegaram a anunciar uma agenda de revisão de gastos, mas até o momento nada de concreto foi divulgado. Economistas defendem que um choque nas despesas passaria, por exemplo, pela desvinculação da política de valorização do salário mínimo do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e das pensões, possibilidade que Lula já rechaçou. “Não considero isso gasto”, disse.

Modelo apresentado pelo estrategista-chefe da AZ Quest Investimentos, André Muller, mostra que, no período entre julho de 2023 e março de 2024, mais de 90% da variação da taxa longa nominal brasileira poderia ser explicada pela expectativa de política monetária aqui versus o desempenho do juro americano. A partir de abril, esse porcentual começou a cair, mostrando um descolamento. “Se aquela relação estimada seguisse vigente, a taxa longa estaria hoje mais próxima de 11,10%”, disse.

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Ou seja, o prêmio embutido pode ser atribuído a outro fator que não os juros externos e a expectativa de política monetária. “Pode estar relacionado à revisão mais negativa sobre sustentabilidade da divida, à desancoragem da expectativas, etc.”, diz, acrescentando que o estresse vinculado aos fatores domésticos segue no nível máximo e ainda pode subir.

O economista-chefe da Azimut Wealth Management, Gino Olivares, afirma que o movimento oposto das taxas aqui e lá remete à afirmação dos dirigentes do Banco Central brasileiro de que não há relação mecânica entre o comportamento das taxas internacionais e locais. “Há fatores domésticos que explicam uma parte desse descolamento, mas não tudo. O idiossincrático tem sido mais negativo para o Brasil, mas o cenário para emergentes como um todo piorou”, avalia Olivares, admitindo que a deterioração da curva longa brasileira parece ter sido acima da média dos emergentes.

No entanto, ele acredita que a situação tende a se reverter tão logo o Federal Reserve inicie o ciclo de afrouxamento monetário, que, segundo o economista, tende a beneficiar os emergentes como um todo, “tanto os que se comportaram bem quanto os que se comportaram mal”.

No dia 27 de junho, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que a taxa longa de juros brasileira não acompanhou a descompressão da americana por uma saída de recursos que é comum aos mercados emergentes. “A gente está vendo uma saída em alguns países, não só o Brasil. Temos visto no México, na Índia, na África do Sul, e alguns países asiáticos começaram a mostrar também algumas saídas”, disse, mencionando a redução global da liquidez.

Mas reconheceu que fatores domésticos podem ter influenciado nesse processo, citando o fiscal e o monetário. “O que é monetário eu acho que está relacionado a uma percepção, vamos dizer assim, de que poderia ter tido influência política na decisão do Copom”, disse, referindo-se à divisão dos votos na reunião de maio e reiterando que qualquer decisão do colegiado é técnica.

“O ruído que o Banco Central trouxe ao mercado na reunião de maio foi muito significativo. Para o Banco Central e o Brasil construírem credibilidade na política monetária, vai ter de ser no começo do ano que vem”, diz Victor Arduin, analista de Macroeconomia da Hedgepoint.

A dissipação dos ruídos exigiu dos dirigentes do Banco Central, especialmente do diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, e do próprio Campos Neto intenso esforço verbal para reiterar o caráter técnico das decisões e a “união do grupo”. “O mercado absorveu o dissenso do Copom, mas daí veio o câmbio e a perspectiva maior de insolvência. O risco-País subiu e também a necessidade de remunerar melhor o investidor”, observa Beto Saadia, diretor de Investimentos da Nomos, para explicar a empinada da curva.

Por mais que o caso brasileiro se insira no contexto geral dos emergentes, as críticas que Lula têm feito ao Banco Central, tanto à condução da política monetária, quanto à autonomia da instituição e a Campos Neto, também ajudam a exacerbar a reação da ponta longa da curva. Na última sexta-feira, 28, ele disse que o cenário “vai melhorar quando eu puder indicar o presidente do Banco Central, e vamos construir uma nova filosofia”, o que trouxe mais incerteza sobre o perfil da autoridade monetária a partir de 2025, quando Campos Neto já terá deixado a instituição.