O Conselho de Administração da Vale virou um campo de batalha entre empresários e o governo.
Essa instabilidade na governança se soma a um contexto econômico desafiador para as commodities metálicas e a novas indenizações por conta das tragédias em Mariana e em Brumadinho – possíveis e gigantescas.
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E esse inferno astral está pesando nas ações da companhia, que acumulam desvalorização de 20% em 2024. Elencamos aqui as pedras no sapato da Vale.
Disputas internas
Como boa corporation que é, a Vale não tem controlador. Isso significa que os grandes acionistas têm poder para eleger seus representantes no Conselho de Administração da mineradora, mas nenhum deles consegue simplesmente impor sua vontade. São eles:
A política se faz necessária, portanto, nas decisões centrais da companhia. E a política, você sabe, pode ser espinhosa.
Desde o fim de 2023, esquentou o debate sobre a sucessão de Eduardo Bartolomeo, o atual CEO. O governo Lula tem, por meio da Previ – o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil – dois dois 13 assentos do Conselho. E tenta colocar no comando da Vale um nome mais sensível aos seus interesses. Até o nome ex-ministro da Fazenda Guido Mantega já foi aventado para o cargo – o que deixou a Faria Lima de cabelo em pé, claro.
O próprio Bartolomeu, CEO na Vale desde 2019, tinha interesse em permanecer no cargo por mais tempo, mas deve ficar mesmo até o fim de 2024. O acordo no Conselho é que haverá um novo CEO a partir de janeiro de 2025, e o nome será escolhido em setembro deste ano.
Semanas atrás, a consultoria Russell Reynolds entregou à Vale uma lista de 15 potenciais nomes para suceder Bartolomeo. Entre os relacionados estão Gustavo Wernerck, da Gerdau, Maurício Bhar, da Engie e Francisco Gomes Neto, da Embraer, segundo noticiou O Globo. Mais recentemente, o número 2 do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, também ganhou força.
O governo tem interesse em fazer da Vale uma potência empregadora, com investimentos que de alguma maneira levem a ganho de popularidade para o presidente Lula. Mas o que o governo vê como investimento os demais acionistas podem entender como pura e simples queima de caixa.
O futuro do minério
Preço é sempre isso: oferta e demanda. No caso do minério de ferro, as tendências atuais apontam para preços modestos no curto e médio prazos.
A China tem um papel muito relevante aqui. A segunda maior economia do mundo tem sido a grande importadora de minério de ferro nas últimas décadas, demandando a commodity para produzir o aço que ergue sua infraestrutura logística e urbana, além de sua fervilhante indústria. Mas a crise no mercado imobiliário por lá e a desaceleração do crescimento econômico são indícios importantes de moderação na fome da China por minério de ferro.
E a oferta deve continuar aumentando. Dados recentes de produção da Vale vieram acima do esperado e reforçaram as perspectivas de que muito minério será extraído pela empresa neste ano. As concorrentes não ficam atrás.
A BHP anunciou recorde na sua produção. A Rio Tinto, outra gigante do setor, aumentou sua oferta e disse que vai começar a extrair o minério da maior reserva do mundo, que fica nas montanhas de Simandou, na Guiné.
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Trocando em miúdos: a demanda tende a diminuir; a oferta, a aumentar. Isso derruba os preços do minério de ferro. Este cenário todo se reflete no valor das ações da empresa. Os papéis da maior produtora de minério de ferro do mundo começaram o ano a R$ 77. Hoje, negociam perto de R$ 60. Em valor de mercado (que é o preço somado de todas as ações) a perda já é de R$ 67 bilhões.
O mal desempenho tirou a Vale da liderança do ranking das companhias mais valiosas do país. Hoje, a mineradora que tem funcionários em 18 países e emprega direta e indiretamente mais de 200 mil pessoas, está na quarta posição, atrás de Petrobras, Nubank e Itaú.
As indenizações
As tragédias de Mariana e Brumadinho são indissociáveis da imagem pública da Vale. Além dos impactos humano e ambiental, o peso financeiro das tragédias segue nos cálculos de risco para quem investe na Vale.
No caso de Mariana, por exemplo, há processos gigantescos se desenrolando no Brasil, no Reino Unido e na Holanda. O da Inglaterra é uma ação coletiva de 600 mil pessoas que buscam uma indenização de quase R$ 250 bilhões – praticamente o valor de mercado da companhia, que está em R$ 260 bilhões.
A tragédia de Mariana foi provocada pelo rompimento de uma barragem que pertence à Samarco, uma sociedade entre a Vale a britânica BHP. Por isso, ambas as mineradoras chegaram ao acordo de que eventuais custos das indenizações serão divididos meio a meio.
Aliás, os valores desse tipo de indenização se tornaram tão descomunais – e os processos tão caros – que uma indústria de financiamento de litígios tem se firmado no mundo, Brasil incluído. Nessas operações, gestoras de investimentos bancam os custos dos processos em troca de uma parte dos honorários aos quais os advogados teriam direito em caso de vitória.
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