Nas ruas alagadas de Porto Alegre no início de maio, botes com uma carga pouco usual navegavam em busca de abrigo.
Enquanto a maioria das embarcações transportava pessoas, animais e suprimentos, esses botes levavam máquinas com dados vitais para o funcionamento de serviços públicos e hospitais da cidade. Eles estavam à procura de datas centers que estivessem operando naquele caótico e histórico momento que capital do Rio Grande do Sul vivenciou.
A cena descrita aqui ilustra o quanto a tecnologia de computação em nuvem (cloud computing) se tornou um bem essencial na última década e, mais ainda, como os data centers passaram a ser mais importantes.
O fato é que essa relação está apenas no início: com a chegada de iniciativas ligadas à inteligência artificial generativa (GenAI) e outras tecnologias, haverá mais demanda das empresas que atuam no país para espaços dedicados a hospedar os servidores. Dos quase 12 mil data centers pelo mundo, o Brasil tem 181 – número que certamente irá crescer.
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Em cifras, o mercado brasileiro de data centers vale US$ 4,6 bilhões, ou 1,4% do bolo global, que soma US$ 330 bilhões. Em quatro anos, o Brasil pode chegar a US$ 6,5 bilhões, ou 1,5% do que o mundo terá lá na frente (US$ 440 bilhões).
O motivo do otimismo é que a matriz energética brasileira, majoritariamente limpa, torna o país um grande candidato a atrair investimento em servidores por parte das empresas de tecnologia globais. Vale lembrar que servidores podem ficar em qualquer ponto do planeta.
Como os números mostram, potencial para crescer já existe – e cheque para isso, também. No Brasil, já há uma silenciosa expansão de data centers, com agentes endinheirados investindo na tese.
Trata-se de gestoras internacionais e bancos de investimento que estão apostando na América Latina, em especial no mercado brasileiro.
É o caso da Ascenty, uma joint venture entre a Digital Realty, líder mundial do segmento, e a gestora canadense Brookfield, criada em 2012. E também da Elea Digital, fundada em 2019 pela gestora Piemonte e que tem o banco americano Goldman Sachs como sócio.
São dois dos maiores players do segmento no país e que já contam com a maior parte de sua receita em dólar. As duas estão ativas no mercado de capitais nos últimos anos e já emitiram quase uma dezena de bilhões em dívida para dar conta do crescimento da demanda por data centers.
Tanto a Ascenty quanto a Elea se posicionaram antes em um mercado que se transformaria rapidamente a partir de novembro de 2022, quando o mundo conheceu a inteligência artificial generativa pelo ChatGPT. O cenário já era promissor antes, dada a onipresença da computação em nuvem, mas a IA mudou o jogo. Ela exige um poder de processamento colossal. O apetite dessa tecnologia por novos data centers, então, foi a outro patamar.
Gustavo Sousa, executivo que fez carreira como CFO da Klabin e da Cielo e que hoje é presidente-executivo da Ascenty, explica que o investimento bilionário só tem sido possível porque a procura não para. A título de exemplo, só de fevereiro do ano passado até agora, a companhia já acessou US$ 1,55 bilhão no mercado de dívida de México, Brasil e Chile. “Nosso negócio é intensivo em terra e energia, então não podemos trabalhar com uma expansão especulativa – tem que existir demanda.”
A estratégia da Ascenty é construir projetos do zero (greenfield). Mas, para isso, é preciso que um cliente de grande porte – o chamado hyperscale – garanta esse investimento. Um contrato de um hyperscale tem o prazo médio de dez anos, permitindo assim o investimento da Ascenty na construção de uma unidade. No momento, são 34 data centers espalhados pela América Latina, sendo 26 no Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará.
Data centers dedicados à IA
Outro ponto central nessa história: serviços de nuvem consomem menos energia do que servidores voltados para IA – estima-se que um servidor que rode serviços de inteligência artificial utilize de cinco a dez vezes mais eletricidade do que um equipamento voltado para cloud. Daqui para frente, a tendência é que a inteligência artificial comece a abrir um novo flanco no mercado.
“A onda que está acontecendo nos Estados Unidos é a de data centers dedicados somente à IA. Hoje, funcionamos com unidades híbridas [para cloud e inteligência artificial], mas essa tendência vai chegar em breve na América Latina, onde ainda não temos plantas totalmente dedicadas para IA. Temos projetos para essa alternativa e, caso algum cliente opte por isso, podemos – e queremos – ser os primeiros”, afirma o executivo.
A Elea Digital avançou com outra estratégia de crescimento. Seus primeiros data centers vieram por meio de aquisições. A primeira foi em 2020, quando ela comprou cinco unidades que pertenciam à Oi por R$ 325 milhões. Depois, adquiriu ativos similares do Grupo Globo e da Tim, chegando a sete unidades em quatro estados (São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) mais o Distrito Federal.
“Se você faz um retrofit e adequa esses data centers ao padrão internacional, eles acabam criando muito valor. É algo que já era feito nos Estados Unidos e na Europa, mas não aqui. Ao pegar a estrutura já pronta, você se beneficia da localização e das conexões de internet e eletricidade que a unidade possui”, avalia Alessandro Lombardi, presidente da Elea.
Esses movimentos de uma então desconhecida chamaram a atenção do Goldman Sachs, que em meados de 2022 se tornou investidor da companhia. Para fazer frente ao crescimento da demanda, a Elea projeta pelo menos R$ 5 bilhões em investimentos nos próximos cinco anos.
A estrutura
Se há demanda, dinheiro e interesse em construir data centers, o desafio passa a ser o de infraestrutura.
As unidades oferecem um ambiente energizado e ventilado para que os servidores das empresas operem sem gargalos. De maneira bem simplificada: um data center é como se fosse um enorme ar condicionado e, portanto, precisa de eletricidade de sobra e de backup para qualquer emergência.
Cálculos mais recentes da Agência Internacional de Energia (AIE), indicam que os data centers consumiram cerca de 3% eletricidade gerada no mundo em 2022. Foram 460 TWh. Para comparar: não é muito menos do que o Brasil inteiro consome (540 TWh). E o número pode triplicar em dez anos.
Hoje, a maior quantidade de data centers está nos Estados Unidos e Europa, mas a geração de energia elétrica e oferta de água se tornaram desafios, inclusive para as estratégias de descarbonização das empresas de tecnologia.
Em seu último relatório de sustentabilidade, o Google apontou aumento nas emissões por conta do uso de data centers. A Amazon fechou acordo de fornecimento exclusivo de energia com uma usina nuclear. Esses dois exemplos demonstram que tecnologia e sustentabilidade começam a se confrontar lá fora – e é aí que o Brasil pode nadar de braçada.
Com 85% da geração de energia vinda de fontes renováveis, o país tem potencial para absorver esse tipo de demanda. Agora falta atrair mais empresas.
Não que o Brasil seja esse oásis todo. Há desafios de transmissão de energia, especialmente para a carga nova de geração solar e eólica que vem do Nordeste. Os data centers, então, devem possuir uma subestação de energia própria ou próxima da unidade.
Para além da eletricidade, o poder de conectividade desses data centers não pode ser desprezado: qualquer milissegundo faz a diferença na transmissão dos dados. Uma capilaridade maior da conexão para que outros estados do país possam absorver novos data centers também é um nó a ser desatado.
Elea e Ascenty, então, investem pesado em toda uma estrutura de internet. Isso significa um emaranhado de conexões, com direito a redundâncias e backups. A Ascenty chegou a construir 5 mil quilômetros de rede própria de fibra ótica para atender seus data centers, e os de concorrentes também.
As plantas da empresa, inclusive, ficam próximas dos cabos submarinos que conectam o Brasil à internet global. “Não foi por coincidência. Nós pensamos em toda a nossa rede para que nossos clientes multinacionais possam ter uma infraestrutura com resiliência”, explica Marcos Siqueira, vice-presidente de operações da Ascenty.
Outro fator que faz o Brasil levar vantagem frente aos concorrentes regionais – como, o Paraguai, que também tem energia limpa abundante – é contar com um mercado estruturado ao longo de mais de uma década. A experiência dos profissionais e do ambiente de negócios daqui traz mais segurança para as grandes empresas hospedarem seus servidores nos data centers brasileiros.
“As grandes empresas de tecnologia necessitam de um mercado maduro de data centers. Apesar de o Brasil estar um pouco atrasado em relação à Europa e Estados Unidos, já temos pelo menos cinco players relevantes no setor”, diz Alessandro Lombardi, da Elea. “Também contamos com engenheiros [especializados] e outros profissionais relevantes. Isso não se cria de um dia para o outro”.