Na cena clássica de um amigo ou parente que fala sobre investimentos após o almoço de domingo, um tema recorrente são os fundos imobiliários (FIIs). O boca-a-boca é tão eficaz para divulgar esses produtos que o Santander lista a prática, ao lado das indicações de assessorias e corretoras, para embasar sua projeção de que o segmento deve ganhar 600 mil novos investidores neste ano – hoje já são 2,7 milhões, segundo dados da B3. Mas atenção: antes de seguir qualquer “dica campeã” de algum parente, saiba que as condições de temperatura e pressão do setor mudaram bastante desde o início do ano.
Após subir 15,5% em 2023, o IFIX, índice que mede o desempenho das cotações dos fundos imobiliários negociados na B3, seguiu em escalada. Em abril deste ano, atingiu a máxima histórica de 3.424 pontos, como mostra um levantamento elaborado por Einar Rivero, sócio fundador da consultoria Elos Ayta.
Essa máxima do IFIX foi atingida em um momento em que a Selic estava em pleno ciclo de queda: em um intervalo de oito meses, a taxa havia caído de 13,75% para 10,75%. Um novo corte veio em maio, para 10,50%, até que… esses bons ventos cessaram.
Em junho, o ciclo de corte de juros foi interrompido em função de uma série de fatores internos e externos. As apostas são de que permanecerá em 10,5% pelo menos até o fim do ano. Ou muito além disso, como nas contas do Itaú BBA, que trabalha com a manutenção da taxa até dezembro de 2025.
Esse novo ambiente gerou uma reação imediata: o IFIX perdeu 1% em junho. Ainda assim, a gordura dos meses anteriores permitiu um fechamento de semestre com ganho acumulado de 1% (confira as tabelas com as maiores altas e baixas no período).
Sem o sopro amigo da queda dos juros, no entanto, os gestores de FIIs terão que remar dobrado, assim como os investidores, que precisam ser ainda mais seletivos nas escolhas.
Para que lado eu olho?
Quem acompanha de perto a indústria de FIIs vê claramente a mudança de foco. “O mercado tinha um olhar mais para fundos de tijolos e se virou agora para os fundos de papel, que são também nossa preferência para este segundo semestre”, diz Flávio Pires, analista de fundos imobiliários do Santander.
Para quem não sabe, FIIs de tijolos são os que investem em imóveis propriamente ditos, gerando receita com o aluguel, enquanto os de papel concentram aplicações em títulos ligados a esse mercado, principalmente certificados de recebíveis imobiliários (CRIs).
“Com a perspectiva de juros de dois dígitos por mais tempo, os fundos ligados ao mercado real [tijolos], que são mais sensíveis a esse movimento, saem prejudicados”, afirma Larissa Nappo, analista de fundos imobiliários do Itaú BBA.
Explica-se: juros altos esfriam o crescimento econômico, a evolução das vendas e tudo que está ligado à dinâmica de consumo e atividade: gasto em shoppings e a demanda por escritórios, galpões logísticos etc. Esse movimento não é linear, mas afeta as expectativas do mercado de maneira mais ampla.
Eduardo Mekbekian, sócio fundador da Manatí Capital, explica que, enquanto os juros permanecerem elevados, naturalmente haverá uma queda nos preços de alguns FIIs – as cotas dos fundos imobiliários são negociadas na B3 e sua cotação oscila da mesma maneira que varia o preço de uma ação.
Isso acontece porque os investidores comparam o retorno dos FIIs com os dividendos, chamado de dividend yield, com a taxa Selic. Se um fundo paga um rendimento equivalente a 9% ao ano, por exemplo, ele torna-se menos atrativo em relação ao juro básico, na casa de 10,5%. A demanda pelo papel é menor e, consequentemente, o valor da cota cai no mercado.
Para os especialistas, os fundos de tijolos tendem a apresentar uma volatidade maior em função dessa assimetria, algo já visto em junho e que pode continuar nos próximos meses.
Em contrapartida, os FIIs que possuem na carteira CRIs atrelados ao CDI, ou seja, que acompanham a Selic, ganham uma atratividade extra com a taxa na casa de 10,5% por mais tempo.
Aqui, um ponto importante que os investidores devem avaliar também antes de optar por colocar seu dinheiro em um fundo imobiliário. Não adianta apenas observar os dividendos distribuídos e não considerar a evolução do valor da cota do fundo. Se um FII estiver rendendo o mesmo que a Selic, mas sua cota estiver em queda, o investidor estará perdendo dinheiro. A renda passiva é um dos grandes atrativos dos fundos imobiliários para a pessoa física, mas a análise de investimento deve ir além disso e incluir valor de cota e qualidade dos ativos em que o fundo investe.
Ofertas públicas e receitas extraordinárias
Entre as mudanças recentes no cenário dos fundos imobiliários, os especialistas chamam a atenção para o grande volume de ofertas públicas de FIIs, que contribuíram para o avanço do setor. Com o apetite de grandes gestoras pelo produto para oferecer a seus clientes, o volume captado pelo segmento ficou próximo de R$ 20 bilhões no primeiro semestre, pelas contas do BTG Pactual.
E o que acontecerá ao se confirmar um cenário de estagnação da Selic? “Provavelmente, tenhamos um volume menor de ofertas”, diz Daniel Marinelli, especialista em fundos imobiliários do BTG. Isso significa menos opções na prateleira para os investidores, a preços normalmente mais atraentes.
Pires, do Santander, acredita que daqui pra frente as operações serão puxadas por fundos de papel. Ele projeta que o setor terminará 2024 com pelo menos R$ 35 bilhões em captações – o que representaria um aumento de 15,5% frente ao ano passado (R$ 30,3 bilhões).
Outro ponto lembrado é a possibilidade de redução do chamado “dividendo extraordinário”, derivado da venda de ativos por parte dos fundos, especialmente no setor de shoppings. Isso vinha gerando um fluxo adicional de pagamentos aos cotistas, de operações fechadas no ano passado, mas o movimento tende a perder força nos próximos meses.
Inadimplência ainda ronda o setor
Um risco muito importante, que não pode sair do radar dos investidores em FIIs, é a chance de inadimplência. Tanto por parte do inquilino, que deixa de pagar o aluguel, como do emissor de um papel (CRI, por exemplo), que não honra com a dívida imobiliária. Se esse fluxo de pagamentos é prejudicado, quem perde em última instância é o investidor, pois o volume a ser distribuído fica menor.
“A inadimplência ainda se apresenta como um risco mais latente. Talvez menos do que vimos em um passado recente, mas ainda é preciso tomar um certo cuidado, para mitigar isso”, diz Marinelli, do BTG.
No primeiro trimestre de 2023, os FIIs de tijolo foram fortemente impactados por crises de grandes varejistas, como Americanas, Tok&Stok e Lojas Marisa, que acabaram atrasando aluguéis. Em março deste ano, foi a vez da rede espanhola de supermercados Dia, que entrou com pedido de recuperação judicial no Brasil, pedir a rescisão de dois contratos de locação envolvendo galpões logísticos, dos fundos XP Log (XPLG11) e VBI Logístico (LVBI11).
Um dos casos mais recentes de inadimplência é o da empresa de coworking WeWork, que não pagou aluguéis que venceram em junho para os fundos Vinci Offices (VINO11), Valora Renda Imobiliária (VGRI11), Rio Bravo Renda Corporativa (RCRB11) e Santander Renda de Aluguéis (SARE11). Neste último caso, houve atraso também na parcela de julho.
Ao fim e ao cabo
Apesar do cenário mais conturbado, os especialistas destacam que os FIIs seguem como uma alternativa interessante para quem busca diversificação dos investimentos em renda variável.
“Temos bons motivos para acreditar que esses produtos devem seguir apresentando boa performance operacional”, diz Marinelli, do BTG. Larissa, do Itaú BBA, destaca a resiliência do setor em momentos de maior aversão ao risco, o que se comprova no desempenho positivo do IFIX no primeiro semestre, com ganho de 1% mesmo diante das turbulências, frente a uma queda de 7,6% do Ibovespa.
No acumulado do ano, até 29 de julho, o IFIX mostra valorização de 1,95%, ante uma perda de 4,31% do Ibovespa no mesmo intervalo.
No Santander, Pires reforça que esse mercado segue crescendo, com o ingresso de aproximadamente 40 mil investidores pessoa física a cada mês, em média. No fim de junho, a B3 contabilizava cerca de 2,7 milhões de investidores em FIIs e o analista estima que esse número possa chegar a 3,1 milhões no fim de 2024 – o que representaria um avanço de 24% em relação ao ano passado.
Para quem já faz parte ou pretende engrossar essa lista, vale repassar os avisos de sempre, e que se tornam cruciais em momentos mais delicados, como o atual: pesquisar muito, principalmente para saber se o FII apresenta consistência e boa previsibilidade de pagamento de dividendos.
Além disso, avaliar – de preferência, com a ajuda de um especialista – quantos imóveis o fundo tem em carteira, onde estão localizados, qual o nível de vacância de cada empreendimento, qual o prazo médio dos contratos e se existem episódios de inadimplência.
Em linhas gerais, os especialistas acreditam que, para quem tem paciência e pretende investir em um fundo imobiliário pensando a longo prazo, ainda é possível encontrar bons ativos, com preços interessantes.