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IA semelhante ao ChatGPT vai parar no atendimento ao cliente de companhias aéreas

“Se você quer começar a ler este texto, aperte 1. Se quer falar com um atendente, aperte 2.” Estranho? Irritante? Sabendo que o tom robótico e o esquema das chamadas “árvores de decisão” do atendimento automático pode incomodar muitos clientes, empresas têm investido no uso de inteligência artificial generativa – como o famoso ChatGPT –, para tornar mais naturais as conversas com as máquinas. Entre as aéreas, a Gol anunciou a novidade, enquanto a Azul se prepara para fazer o mesmo. Mas, enquanto isso, um erro do robô da Air Canada reforça a dúvida se o atendimento ao cliente por IA pode ser mesmo confiável. 

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Avião da GOL Linhas Aéreas se prepara para pousar no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro
21/03/2019
REUTERS/Sergio Moraes

Na última sexta-feira (16), a Gol (GOLL4) informou que passou a desenvolver iniciativas com uso de IA do Microsoft Azure OpenAI Service. Uma das frentes do projeto inclui aprimorar as funcionalidades de um chatbot do site da unidade de logística da Gol, utilizado pelos clientes para dúvidas variadas. 

Na versão atual, a tecnologia utilizada é baseada em “árvores de decisão”, em que “o cliente precisa ir clicando nas opções para chegar à resposta desejada de forma estática”, conforme explicou Rodrigo Fernandes Garcia, diretor de digital, inovação e tecnologia da Gol. Mas, futuramente, a ideia é integrar IA generativa ao chatbot, permitindo que o passageiro faça seu auto-atendimento pela máquina de forma mais fluida. 

Jose Luiz Belixior, diretor de atendimento e clientes da Gol, diz que, com a implementação da IA generativa, a empresa está “entrando em uma nova era de eficiência e satisfação do cliente”. Em nota enviada ao InvestNews, ele aponta que essa tecnologia “ajuda a reduzir significativamente os tempos de espera, uma das maiores frustrações no atendimento ao cliente”.

A empresa ainda espera vantagens como disponibilidade de atendimento em todos os dias e horários, personalização, melhora na gestão de grandes volumes de consultas, análise de dados e redução de erros humanos, conforme listou Garcia. 

Não é só a Gol

A Gol não é a única aérea de olho em IA generativa para atender os clientes. Em nota enviada ao InvestNews nesta quarta-feira (21), a Azul (AZUL4) informou que “está aprimorando uma ferramenta para a incorporação da IA generativa para usos específicos nos chats de atendimento ao cliente, com o objetivo de oferecer novos recursos que auxiliarão os clientes com as dúvidas e solicitações”. 

A reportagem também procurou a Latam para questionar se a companhia também utiliza ou pretende adotar IA generativa no atendimento aos clientes. A empresa informou que faz uso a ferramenta para monitoramento de diversos serviços e operações, mas não citou uso de IA generativa em contato de clientes. 

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Avião da Azul se prepara para pousar no aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro
21/1/2019 REUTERS/Sergio Moraes

De qualquer forma, não são somente as companhias aéreas que estão de olho nesse tipo de funcionalidade. Segundo uma pesquisa brasileira feita com 83 empresas que produzem bots, o volume de robôs de conversação já desenvolvidos no país mais que dobrou entre 2022 e 2023, passando de 317 mil para 671 mil. 

E esse avanço foi puxado justamente pelo segmento de atendimento ao cliente, que responde por 64% da demanda entre as empresas que contratam o desenvolvimento de bots – bem acima da segunda colocação da lista (10% no setor de vendas). Os números fazem parte da Pesquisa Panorama Mobile Time – Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots, de agosto de 2023.

Uma ‘máquina menos máquina’

Uma das principais vantagens de usar tecnologia semelhante ao ChatGPT para atender clientes é suavizar a percepção de atendimento “desumanizado”. É o que comenta o especialista Jeferson Mola, professor de Marketing da Trevisan. “Sob uma perspectiva mercadológica, acho extremamente positivo tudo que vier pra melhorar um chatbot na experiência do consumidor”, afirma. 

Ele cita o desconforto que muitas pessoas, independentemente da geração, sentem ao tentar resolver um problema e se deparar com perguntas e respostas automatizadas, e que nem sempre chegam a uma solução. Nesse sentido, para ele, um atendimento que se assemelhe mais com uma conversa pode ser benéfico. 

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Programação, computador (Imagem de StockSnap por Pixabay)

“Para o consumidor que já teve contato com chatbot, pode ser que a primeira percepção (de uma conversa com IA generativa) seja de que melhorou”, diz Mola. 

Ele ainda cita ainda que “uma iniciativa como essa da Gol de trabalhar com a inteligência generativa é muito interessante porque vai evitar exatamente a ‘árvore de decisão’, que é uma coisa muito chata para o consumidor.”

Você sabe com quem está falando?

Mas a “naturalidade” da conversa com uma máquina pode representar um problema ético, na visão de Mola. Isso aconteceria “se essa inteligência chegar a tal ponto, como a gente imagina que possa vir a ser no futuro, de o cliente não saber com quem está falando”, máquina ou atendente humano. 

Segundo Rodrigo Fernandes Garcia, a Gol está atenta a esse ponto. “É fundamental que os clientes estejam cientes de que estão interagindo com uma inteligência artificial (IA) quando utilizam serviços de atendimento”, afirma o diretor. 

Ele diz que “informar aos clientes que eles estão interagindo com uma IA ajuda a construir um relacionamento de confiança”, e acrescenta que “em muitas jurisdições, as leis de proteção ao consumidor e privacidade de dados exigem que as empresas informem os usuários quando estão interagindo com sistemas automatizados.”

Atendimento humanizado sem humano?

Mas nem tudo são vantagens. “A desvantagem que eu vejo está mais relacionada não à parte de tecnologia, mas ao uso da tecnologia como a única solução para a resolução dos problemas do consumidor”, afirma Mola. 

“Quando eu vejo todas essas organizações trabalhando e falando na tecnologia como a salvação da lavoura no atendimento ao cliente, isso me assusta, porque não é. Atendimento ao cliente envolve atendimento”. 

Jeferson Mola, professor de Marketing da Trevisan

Nesse sentido, a preocupação é que o consumidor tenha a possibilidade de optar por atendimento feito por uma pessoa, independentemente do grau de personalização oferecido por um chatbot

Questionada pelo InvestNews, a Azul disse em nota que “acredita na integração da IA com o atendimento humano como forma de melhorar ainda mais o relacionamento com os clientes”. De forma semelhante, Belixior, da Gol, menciona “equilíbrio entre o atendimento automatizado por IA”

“Além disso, um dos papéis chave da IA é identificar sinais de frustração ou insatisfação dos clientes e, nessas situações, facilitar uma transferência suave para um atendente humano.”

Jose Luiz Belixior, diretor de atendimento e clientes da Gol

Mola vê com bons olhos esse equilíbrio, mas acrescenta outro ponto sensível: a quebra da expectativa de que todo atendimento humano seja capaz de resolver problemas que a máquina não consegue. Isso porque o elemento principal para que isso aconteça é autonomia, e não automação. 

“Existem experiências péssimas com atendimento de carne e osso porque aos atendentes é dada somente uma função, não autonomia. Um atendente que não resolve absolutamente nada, entre ele e o robô tanto faz.”

Dá para confiar no robô?

Embora a experiência do ChatGPT seja considerada disruptiva, o sistema não está livre de erros de informação. E, se muitas pesquisas podem trazer dados desatualizados ou incorretos, o mesmo pode acontecer com o serviço de IA generativa de uma empresa. 

Então, dá para confiar na solução que a IA oferece aos clientes? Para os da Air Canada, nem sempre. Pelo menos a julgar pelo caso do passageiro Jake Moffatt, divulgado em diversos veículos de imprensa. Segundo as reportagens, após a morte de sua avó, Moffatt entrou na página da companhia e foi atendido por um chatbot que informou que usuários que reservam viagens de última hora por motivo de tragédia têm as tarifas reduzidas.

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Avião da Air Canada (Imagem de Cor Gaasbeek por Pixabay)

Ele então comprou os bilhetes, mas não conseguiu o desconto. Na justificativa, a empresa informou que as “taxas de luto” só são aceitas antes do voo, e não após a viagem, e ainda disse que o chatbot é uma entidade legal separada, e que o passageiro deveria ter procurado pela política de luto no site da companhia.

O caso foi parar na Justiça, com ganho de causa para Moffatt. Na decisão, o juiz argumentou que o cliente não é obrigado a saber que uma seção da página da empresa é precisa e outra não. A companhia teve que reembolsar o passageiro.

À luz de casos como esse, Mola, da Trevisan, reforça que um dos principais pontos de alerta no uso de IA generativa no atendimento aos clientes é a diferença entre transmitir informações e tomar decisões. “Quando a gente está falando de tecnologia, ela tem que vir pra ajudar na prestação do serviço. Não pode estar exclusivamente voltada a reduzir custos ou diminuir tempo de atendimento.” 

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