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Fotógrafa Consegue Incluir Termo ‘intersexo’ Na Certidão – – Cotidiano


A jornalista e fotógrafa Céu Ramos de Albuquerque, 32, tornou-se na última quinta-feira (7) a primeira pessoa no Brasil de que se tem notícia oficialmente reconhecida como “intersexo” na própria certidão de nascimento.

A retificação foi feita por um cartório em Olinda, Pernambuco, após três anos de espera, finalizada após uma ordem judicial determinar a alteração de informações do documento. Além do sexo, a fotógrafa também mudou o nome.

“Para mim, essa mudança significa representatividade. Todos os dias nasce uma criança intersexo. É algo biológico. Agora o Estado reconhece a intersexualidade em uma pessoa. Isso representa, a partir de agora, a possibilidade de criação de políticas públicas voltadas para essa população”, disse Céu.

Uma pessoa intersexo nasce com características sexuais congênitas que não se enquadram nas normas médicas e sociais para corpos femininos ou masculinos.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), cerca de 0,05% a 1,7% da população mundial nasce com características intersexuais. Essas características, porém, podem ser diferentes em cada indivíduo e não tem relação com gênero e sexualidade.

Céu nasceu com um diagnóstico de hiperplasia adrenal congênita, uma condição genética que afeta a produção de cortisol, influenciando o desenvolvimento sexual e a formação da genitália externa.

Ela conta ter ficado por seis meses sem certidão de nascimento até a definição de um exame genético para determinar o seu sexo. Ela foi registrada como sexo feminino e passou por uma cirurgia de redesignação genital —a intervenção é vista como uma mutilação pela Associação Brasileira de Intersexos (Abrai).

A partir da adolescência, quando tomou consciência sobre sua condição biológica, a fotógrafa iniciou uma sequência de sete cirurgias para tentar reconstituir os órgãos mutilados. A última foi feita no ano passado, em São Paulo.

“Sofri muito com infecção urinária, dor, perda de sensibilidade em razão da mutilação feita quando nasci. As cirurgias foram feitas para melhorar minha qualidade de vida”, disse ela.

A fotógrafa também decidiu mudar o nome.

“Esse nome tem sido parte de minha identidade desde os meus 19 anos, quando minha primeira namorada carinhosamente me apelidou assim. Nunca me identifiquei plenamente com meu nome de registro, frequentemente era pronunciado incorretamente, e muitas vezes me tratavam no gênero masculino devido a ser um nome não binário. Então, corrigir meu nome agora trará uma sensação de tranquilidade significativa daqui para frente”, afirmou.

A presidente da Abrai, Thaís Emilia, afirma que a retificação obtida por Céu ajuda a divulgar a condição biológica das pessoas intersexo e a criação de políticas públicas voltadas ao grupo. “É o reconhecimento da existência da variação dos corpos.”

A associação atua há oito anos para que bebês intersexos possam ser registrados sem a definição do sexo na certidão de nascimento. Desde 2021, a não determinação é autorizada. Porém, o campo no documento vem com o termo “ignorado”.

Além do estigma do uso do termo, Emília aponta uma série de problemas de ordem prática a serem solucionados.

“Sem o sexo, não conseguimos emitir CPF, porque tem impacto até na Previdência e no cálculo do tempo para aposentadora. Sem CPF, a família não consegue inscrever em planos de saúde, emitir passaporte. Há uma série de dificuldades de ordem prática”, disse ela.

Ela avalia que, para bebês, o ideal seria conseguir uma solução burocrática para que o campo permanecesse em branco, para que a decisão sobre qual termo colocar pudesse ser adiada (seja masculino, feminino ou intersexo).

“A divulgação do registro fez muitos adolescentes e adultos quererem alterar. São pessoas que têm uma vivência com o tema”, disse Emília.


O QUE CARACTERIZA PESSOAS INTERSEXO?

As características do sistema reprodutor –desde a formação da genitália até as gônadas que produzem hormônios– são determinadas pelos cromossomos sexuais.

De maneira geral, pessoas do sexo masculino possuem cromossosmos XY, enquanto no sexo feminino o padrão é XX.

Em pessoas intersexo, ocorrem alterações que modificam o desenvolvimento dos órgãos, e algumas das características do sexo biológico podem não ser tão demarcadas.

“O termo médico para isso é DDS (Diferenças no Desenvolvimento Sexual)”, afirma o endocrinologista Júlio Américo, membro da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional São Paulo) e voluntário nos ambulatórios de Transgeneridade e de DDS/Intersexo da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

“Quando essas diferenças causam interferências clínicas ou sociais, algumas pessoas passam a se denominar de intersexo”, diz.

Alexandre Hohl, vice-presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade da SBEM, declara que muitos pacientes não se sentem confortáveis com o termo.

DIFERENTES TIPOS

Segundo Américo, existem diferentes tipos de intersexualidade. Existe uma categorização científica, mas “cada caso é um caso”.

Em alguns tipos, há alteração na genitália, em outros apenas nos órgãos internos ou na produção hormonal.

Em todos os casos, é recomendado o acompanhamento com profissionais especializados para evitar problemas de fertilidade, desconfortos na vida sexual e riscos ligados à produção hormonal.

COMO É FEITA A IDENTIFICAÇÃO

A identificação de uma pessoa intersexo pelos profissionais da saúde pode ser feita de diversas maneiras, e depende de suas características e problemas apresentados.

Quando há uma genitália atípica, a investigação começa a partir do momento em que o pediatra identifica essa diferença. “Em outros casos, a investigação começa mais tarde, quando há diferenças na puberdade, ausência de menstruação, ou problemas de fertilidade, por exemplo”, diz Américo.

Hohl destaca que, muitas vezes, as alterações fisiológicas não são chamativas e os sintomas podem se confundir com os de outras causas. “É uma condição de difícil diagnóstico em todo o mundo, não só no Brasil”, pontua.

IMPORTÂNCIA DO ACOMPANHAMENTO MÉDICO

Américo afirma que o acompanhamento é importante desde a infância para identificar e buscar tratar alterações hormonais que possam trazer prejuízos no futuro.

O acompanhamento precoce pode evitar insatisfações com altura ou riscos de desenvolvimento de tumores em certos tipos de intersexualidade. Porém, “em alguns casos, nenhuma terapia é necessária”, indica.

Américo ressalta que intervenções cirúrgicas são recomendadas quando o paciente está insatisfeito ou quando há problemas de fertilidade. Em crianças, pode-se esperar até que o paciente tenha idade para consentir.

“Normalmente, os maiores problemas vêm da falta de compreensão da sociedade”, relata o especialista.

Além disso, não realizar a reposição hormonal no momento certo, quando necessário, “pode trazer problemas graves de saúde”, aponta Hohl. O endocrinologista diz que os hormônios sexuais também são importantes no processo de fortalecimento dos ossos, por exemplo.

Após o diagnóstico, é preciso manter acompanhamento médico especializado e também psicológico. As cirurgias, estéticas ou funcionais, só são recomendadas em alguns casos. “Hoje, é algo feito com muito cuidado para garantir que não sejam tomadas atitudes precipitadas”, completa.





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