Após crise hídrica de 2021, elétricas estão mais preparadas para mínimas de chuva nos próximos meses
A memória do impacto da crise energética sobre a inflação de 2021 ainda pode estar fresca para muitos. Mas, poucos anos depois, as previsões de mínimas históricas de chuvas sobre as hidrelétricas não parecem trazer preocupações sobre a geração de energia. Especialistas falam em empresas mais preparadas, mas o aumento na geração de outras fontes e condições climáticas mais favoráveis em 2023 também ajudam.
Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o volume de chuvas sobre as hidrelétricas nos próximos meses (de fevereiro a julho) deve alcançar a quinta pior média da série histórica de 94 anos – e isso se o cenário mais otimista das previsões se concretizar. Já o cenário mais pessimista, se confirmado, será o pior volume da história.
Em outras palavras, a notícia é de pouca chuva em períodos tipicamente úmidos, o que para o ONS desperta “necessidade de atenção”. Mas o órgão prevê que a demanda por energia vai ser atendida mesmo assim.
Para especialistas, a tranquilidade se estende à situação das geradoras de energia. “Por ainda estarmos com os reservatórios em níveis saudáveis, as projeções mais pessimistas em relação às chuvas ainda não nos preocupam no que tange a geração de resultados das geradoras no ano”, diz Bernardo Viero, analista da Suno Research
O primeiro ponto é que, ao contrário de 2021, um eventual período seco em 2024 viria seguido de meses de volumes altos de chuva. Atualmente, os reservatórios de todos os subsistemas do ONS se encontram com capacidade acima de 60%. Em 2021, a capacidade dos reservatórios chegou a ficar abaixo de 30%, em julho.
Desde então, as principais empresas têm investido em alternativas para não depender somente da chuva. “As companhias se preparam para novas crises desde a crise energética de 2021, diversificando suas matrizes energéticas, incorporando usinas termoelétricas e outras fontes de energia renováveis ao seu portfólio”, comenta Rafael Lage, analista da CM Capital.
De fato, o crescimento na geração de energia de outras fontes além das hidrelétricas vem ganhando força nos últimos anos. Em 2022, o crescimento da geração de energia eólica passou de uma variação anual de 29% no ano anterior para 64%. Em 2023, mais que triplicou, com 245%. Os cálculos foram feitos pelo InvestNews com base em dados do ONS, e mostram crescimento também na geração de energia solar. A alta foi de 17% somente no ano passado.
“Então a capacidade brasileira de gerar energia não só de fonte hidrelétrica tem aumentado muito. Isso contrabalanceia a falta de chuvas”
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master
“A situação não é tão confortável como foi em 2022 e 2023, mas acho que estamos longe de ter uma crise, como foram aqueles períodos mais graves de 2014/2015 ou 2021“, acrescenta Gala.
Mas, embora esse avanço seja considerado uma vantagem, ele não responde tudo. “Apesar do forte crescimento das fontes renováveis eólica e solar nos últimos anos, o Brasil ainda é bastante dependente da geração hidrelétrica, com os períodos chuvosos sendo cruciais para recuperar os níveis de armazenamento dos reservatórios de todo o país”, lembra Luan Alves, analista-chefe da VG Research.
Em 2023, as hidrelétricas geraram 50% de toda a energia do país. Para 2024, a previsão é de que passe a 47% e siga diminuindo até chegar a 42% em 2028, ainda segundo o ONS.
Empresas: estão na chuva, é para se molhar
Se 2021 serviu de experiência para que as geradoras de energia não dependessem (tanto) da chuva, o tempo de adaptação desde então não foi suficiente para todas.
“É possível que muitas empresas ainda estejam se adaptando a esse novo cenário e implementando medidas adicionais para mitigar os impactos da escassez de chuvas, como o aumento do uso de fontes alternativas de energia e a implementação de programas de gestão de demanda mais eficazes”, diz Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management.
Lage, da CM Capital, complementa que as empresas que estão mais sujeitas a terem problemas são as que concentram suas receitas na geração de energia. Sendo que as que dependem de capacidade hídrica serão as que mais vão sofrer.
“Dentre as companhias mais afetadas. podemos citar a AES BRASIL (AESB3), cuja receita depende da geração, sendo que 51% da sua geração vem de fontes hídricas. Uma outra seria a Auren (AURE3), antiga CESP, pois 58% da sua receita de geração vem de fontes hídricas.”
Rafael Lage, analista da CM Capital
Mas o nível de dependência das empresas da geração hidrelétrica não é o único ponto que as diferencia na corrida entre qual está mais preparada para o período de seca. Isso porque os especialistas também estão de olho nas condições de cada uma para negociar energia no mercado diante de uma provável nova realidade de preços.
Viero, da Suno, aponta “uma reversão (mesmo que parcial) do cenário de excesso de oferta e baixa demanda”, com uma “grande apreciação observada nos contratos de comercialização”, diz Viero, da Suno. O que isso significa? Energia mais cara no mercado – e, logo, mais receita para as empresas.
O “xis” da questão está na chamada energia descontratada, que “serve como um hedge de portfólio” para as empresas, como explica Leonardo Piovesan, analista fundamentalista da Quantzed. “Se tiver um período de escassez hidrológica muito forte, a geradora não vai conseguir gerar essa energia que tem que vender no contrato. Então vai precisar comprar energia no mercado à vista, para atender a esse contrato de venda.”
Viero complementa dizendo que “agora em uma situação mais normalizada de preços de energia, as geradoras estão podendo fechar novos contratos das suas parcelas descontratadas em melhores condições, assegurando a manutenção de um bom nível de geração de caixa nos próximos anos”.
Para ele, então, “as principais beneficiadas são Eletrobras (ELET3) e Copel (CPLE3) que, por recentemente terem renovado concessões muito representativas em termos de capacidade comercial, estavam com balanços com mais energia livre para venda e, consequentemente, com maior necessidade de recontratações”.
Piovesan também cita a Eletrobras como uma das principais beneficiadas pelo novo cenário, “porque ela tem um volume grande de energia descontratada pelos próximos anos”. E, se a dependência de recursos hídricos não é o único fator que conta, ele também cita a Auren como uma das companhias que saem ganhando.
“Ela também tem um volume de energia descontratada relevante. E tem que lembrar que é um portfólio quase 100% hidrológico, então ela é mais ajudada com esse preço de energia mais alto.”
Mas e o consumidor?
Levando em consideração que as hidrelétricas ainda são as maiores geradoras de energia no Brasil, o risco de aumento das tarifas não está completamente descartado – embora não se espere um efeito tão intenso quanto em 2021, quando o preço da energia elétrica disparou 21% e ajudou a puxar a alta de 10% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
“A redução do volume de água nos reservatórios leva as empresas a recorrer a fontes alternativas mais caras, como as usinas termelétricas, para atender à demanda crescente. Isso pode resultar em custos operacionais mais elevados para as empresas e, consequentemente, em um possível aumento das tarifas de energia para os consumidores”, lembra Gonçalvez, da Box Asset Management.
Mas Gala, do Banco Master, aponta que esse seria um “caso limite”, e não é o cenário previsto neste momento. “Na situação brasileira de energia é superior, a capacidade de geração que não depende só de fonte hidrelétrica é superior de 2021”, justifica ele.
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