Bets ‘invadem’ Olimpíadas de Paris e ameaçam integridade dos jogos
Qual país terá mais medalhas nas Olimpíadas de Paris? Quem será o campeão do basquete masculino? E no vôlei feminino? Quantas medalhas de ouro o Brasil vai ganhar? Quem será o vencedor dos 100 metros rasos? Tem muita gente com interesse financeiro nessas respostas.
O movimentado mercado das apostas promete invadir as competições das Olimpíadas que começam na próxima sexta-feira (26). Paris 2024 marca a entrada do universo dessas empresas na principal competição esportiva do planeta. Uma nova era se inicia: a dos Jogos Olímpicos das ‘bets’.
E isso acontece meio a tantos escândalos vindos do futebol. São denúncias de manipulação de resultados, jogador recebendo dinheiro para perder jogos, ceder escanteios, levar cartão amarelo ou até ser expulso, tudo isso para fazer a fortuna de uma dúzia de apostadores.
A entrada das bets nas Olimpíadas colocam em risco a lisura dos jogos, algo tão conclamado pelo francês Pierre de Coubertin, o barão que criou os Jogos Olímpicos da Era Moderna em 1896. No início, ele estabeleceu como valores do “olimpismo” a amizade, a compreensão mútua, a igualdade, a solidariedade e o “fair play”, o jogo limpo.
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Expectativa x realidade
Mas, nesses 128 anos de história, há uma distância muito maior do que a de uma maratona entre os ideais olímpicos e a realidade vista na prática nas quadras, piscinas, estádios e pistas de atletismo.
As Olimpíadas já foram usadas, por exemplo, como instrumento de ideologia para supremacia racial e política, como em Berlim-1936, organizada por Adolf Hitler para mostrar ao mundo a força do nazismo.
Elas também já viveram a era dos pós-Guerra e o crescimento da Guerra Fria, com Estados Unidos e União Soviética competindo arduamente pelas medalhas para reforçar seu poder.
A disputa chegou até os boicotes às Olimpíadas por questões políticas, com os norte-americanos fora dos Jogos de Moscou em 1980, e os soviéticos dando o troco e não indo à edição seguinte, em 1984, realizada em Los Angeles.
Em seguida, chegaram as Olimpíadas do doping, com os atletas e as delegações injetando boas doses de anabolizantes em qualquer ideal olímpico para alcançar a vitória e os recordes às custas das substâncias proibidas. Os escândalos de doping foram descobertos, vários atletas perderam as suas medalhas e as Olimpíadas passaram a ter um caráter extremamente comercial. É o evento para todo mundo faturar muito: atletas, delegações, patrocinadores, emissoras de TV.
E, agora, as ‘bets’.
Legalização recente da prática
O mercado de apostas nos Estados Unidos só foi legalizado a partir de uma decisão da Suprema Corte em 2018. O impacto das apostas nas Olimpíadas de Tóquio realizadas em 2021 em plena pandemia da Covid-19 foi insignificante.
Mas Paris 2024 promete ser a grande aposta para o mercado das bets, principalmente em um período em que todos os demais esportes estão parados: NBA, NHL, Champions League e outros campeonatos de futebol da Europa. Até por falta de opção, só sobraram as Olimpíadas para os apostadores.
“As Olimpíadas e os jogos se olham de longe há décadas. Este ano vamos vê-los unidos”, comemora Max Bichsel, vice-presidente executivo do Gambling.com Group North America.
As apostas são liberadas em várias partes dos Estados Unidos, mas alguns estados, como Massachusetts, proibiram apostas em eventos que tenham julgamentos subjetivos, como as notas na ginástica artística, breaking, judô e surfe, para evitar riscos de envolvimento de juízes com esquemas ilícitos.
E no Brasil? Um levantamento da IBIA, da H2 Gambling Capital e do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) coloca o Brasil no quarto lugar entre os países que mais apostam no mundo.
Para Filipe Senna, sócio do Jantalia Advogados, mestre e especialista em direito de jogos e apostas esportivas, combater a manipulação de resultados é um desafio que deve ser encarado com seriedade pelas casas de apostas, em colaboração com as entidades organizadoras do evento.
“Essa preocupação é intensificada pela variedade de modalidades que compõem as Olimpíadas, o que pode dificultar a prevenção e o combate à manipulação de resultados.”
filipe senna, advogado
COI cria código para monitorar apostas
O Comitê Olímpico Internacional (COI), ao mesmo tempo em que abraça a chegada das bets como mais uma fonte de renda, tenta fortalecer sistemas de monitoramento que possam detectar possíveis fraudes nos resultados esportivos.
Para proteger de forma eficaz a integridade do esporte, o órgão desenvolveu processos de relato, monitoramento e investigação de ocorrências de manipulação durante as competições. Também criou o Código do Movimento Olímpico sobre a Prevenção da Manipulação da Competição (Código OM PMC).
“Durante as Olimpíadas de Paris, trabalharemos em conjunto com uma série de operadores de apostas, associações e principais autoridades reguladoras de apostas para trocar informações relevantes sobre padrões de apostas irregulares ou atividades de apostas suspeitas detectadas que possam implicar manipulação”, explica Friedrich Martens, Chefe da Unidade OM PMC.
O COI conta ainda, desde 2014, com o Sistema de Inteligência para Integridade das Apostas (IBIS), que reúne e distribui informações e inteligência relacionada às apostas esportivas para uso de todas as partes interessadas do Movimento Olímpico, além de permitir a comunicação entre todos os parceiros.
Quaisquer padrões de apostas irregulares relatados são analisados, com o apoio de uma ampla gama de partes interessadas em apostas esportivas dentro da rede IBIS e de forças policiais nacionais e internacionais, incluindo a Interpol.
Caso seja detectado um padrão irregular ou sejam levantadas suspeitas graves, uma comissão disciplinar poderá ser criada pelo COI.
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Tudo para garantir que nenhuma medalha saia manchada do torneio, que ainda nem começou, mas já movimenta as casas de aposta on-line.
Por exemplo, na prova de 400 metros com barreiras, o brasileiro Alison dos Santos aparece em segundo lugar na lista dos favoritos em alguns sites, o que indica que ele tem boas chances de vitória e, portanto, o prêmio para quem apostar nele não será tão alto quanto em um azarão. No futebol feminino, a seleção dos Estados Unidos tem a odd mais baixa (2,75), seguida pela da França (6,00). O Brasil aparece em terceiro, com 15,00.
Paris 2024, entre outros ineditismos, servirá também como um grande termômetro para ver se a entrada para valer das apostas esportivas vão ser um incremento para os negócios do esporte. Ou se poderão dar brecha para um novo tipo de doping: o financeiro.