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Como os erros que envolveram Lyft e Light esquentaram o debate sobre governança e regulação

A semana pós-carnaval foi marcada por erros cometidos por duas empresas, que movimentaram o mercado financeiro, deixando executivos e investidores de ressaca. A Lyft e a Light cometeram equívocos que acarretaram em grandes estragos, levantando dúvidas sobre gestão corporativa e fiscalização dos órgãos reguladores.  

De um lado, a principal concorrente da Uber nos Estados Unidos publicou uma informação errada em seu informe financeiro. De outro, os credores da distribuidora fluminense de energia elétrica, que está em recuperação judicial, receberam  um pagamento por engano dos juros de um título da dívida. Em ambos os casos, algo em comum: um erro de “dedo gordo” ou fat finger.

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David Risher, CEO da Lyft Inc. Crédito: Michaela Vatcheva/Bloomberg

O próprio mercado nomeou esse tipo de problema que, geralmente, acontece por um erro de entrada do teclado ou clique errado do mouse, disparando uma ordem de compra ou venda de determinado ativo, com um volume ou preço diferente do realmente pretendido. Com sistemas automatizados, é possível detectar o erro antes de concluir a operação.

Porém, nem a empresa norte-americana nem a brasileira tiveram essa sorte. No caso da Lyft, o executivo-chefe (CEO), David Risher, precisou fazer um pedido de desculpas, assumindo a responsabilidade pelo erro de digitação em um comunicado à imprensa sobre a projeção de crescimento das margens para este ano. “Foi um zero a mais”, disse. 

Ao invés de crescer 500 pontos-base, ou 5 pontos percentuais (pp), a Lyft espera expansão das margens em 50 pontos-base, ou 0,5 pp, neste ano. O problema é que até Risher vir a público, o estrago já estava feito. Os investidores confiaram no “zero a mais” e compraram as ações da empresa, listada na Nasdaq.

O preço do papel saltou mais de 60% no after-hours da última terça-feira (13), indo além de US$ 20, na maior cotação desde agosto de 2022. Vale lembrar que aquele dia foi marcado por uma forte aversão ao risco nas bolsas de Nova York, após dados de inflação ao consumidor nos EUA adiarem para junho a aposta de início dos cortes de juros pelo Federal Reserve. No pregão regular dos dois dias seguintes, a ação subiu cerca de 50%.

Lyft à brasileira

O Ibovespa não teve pregão naquele dia. O mercado doméstico voltou da pausa da maior festa popular do país na tarde da Quarta-feira de Cinzas (14). No dia seguinte, vivenciou um erro de dedo gordo para chamar de seu. Os credores da Light foram surpreendidos com o pagamento de juros (cupom) de uma debênture de R$ 600 milhões emitida em 2020. 

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Torres de energia no Rio de Janeiro. Crédito: Bloomberg

O papel oferece remuneração de inflação (IPCA) + 5,08%. A surpresa se dá pelo fato de a empresa estar em recuperação judicial, sendo, portanto, desobrigada de honrar vencimentos desse tipo. Conforme relatos na imprensa especializada, o erro partiu do banco custodiante dos títulos, o Itaú.  

Por meio da assessoria de imprensa, o banco esclarece que visa regularizar os créditos feitos indevidamente na conta dos debenturistas, “de modo que não haja qualquer prejuízo para a companhia ou seus investidores”. No entanto, a chance de reaver o dinheiro depositado é baixa, pois requer a anuência dos clientes, conforme regras do Banco Central. 

Por sua vez, a Light informou, também por meio de sua assessoria de imprensa, que não autorizou o pagamento de cupom da debênture, uma vez que desde que entrou em recuperação judicial, em maio de 2023, a empresa informou aos bancos custodiantes sobre a suspensão dos pagamentos de juros e amortizações de todas as suas dívidas. 

Nesse sentido, a Light reitera que não cometeu nenhum equívoco, pois não autorizou o pagamento de cupom da debênture em questão. Tanto que assim que a elétrica identificou a irregularidade, notificou formalmente a instituição financeira envolvida, solicitando o imediato retorno. O Itaú ressarciu a Light no mesmo dia.

Já a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cabe o papel de fiscalizar de forma eficiente, garantindo segurança e transparência, àqueles que aplicam seus recursos para investir no mercado financeiro. O órgão regulador dos EUA, a SEC – chamada de “CVM americana” – também atua na regulamentação e controle dos mercados.

Investidores x credores 

Os episódios lançam luz para uma discussão que está em voga no mundo. Segundo o advogado André Camargo, responsável pela área de governança no escritório Tauil & Chequer, entidades internacionais e organizações intergovernamentais estão analisando, atualmente, questões que estão relacionadas aos direitos de credores e investidores.

“Ser sócio é muito diferente de ser credor, sob a perspectiva da governança corporativa”

André Camargo, responsável pela área de governança no escritório Tauil & Chequer

O especialista explica que, enquanto para os investidores existe uma relação societária; no caso dos credores, o que há é mais uma relação contratual. Com isso, cada empresa deve seguir regras de governança corporativa que estejam adequadas à categoria em que negocia seu ativo. 

Porém, Camargo ressalta que quando é possível corrigir os erros, surgem cases de sucesso, com essas empresas trazendo reflexões importantes, como o debate atual sobre direitos de acionistas e debenturistas. “Para as ações listadas, existe uma exigência regulatória para acomodar sócios, que precisam saber o que está acontecendo; no caso da debênture, o foco é no próprio risco do negócio e nos incentivos da dívida”, acrescenta.

Daí porque o “G” de governança é a letra da vez na cartilha da agenda ESG (sigla em inglês para governança socioambiental), conforme afirma o colunista Alan Soares, do InvestNews. “A governança emerge com uma visibilidade maior, em consequência de experiências negativas que se destacaram no último ano”, diz, citando o caso da Americanas

Maçã podre

Portanto, algumas empresas, que o mercado vê como “maçãs podres” podem trazer consequências importantes. Afinal, todas estão sujeitas a deslizes. No entanto, nenhum erro de fat finger se compara ao cometido por Ronald Wayne, um dos principais fundadores da Apple, ao lado de Steve Jobs e Steve Wozniak. 

Menos conhecido entre os idealizadores, Ronald sempre será lembrado por ter vendido, voluntariamente, sua participação de 10% na empresa por apenas US$ 800. Recentemente, a Apple reconquistou o título de empresa mais valiosa do mundo, depois de ter perdido momentaneamente o posto para a Microsoft

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