Cortes de energia renovável no Brasil podem levar a perdas de R$ 700 mi até o fim do ano
Por Letícia Fucuchima
Empresas de geração de energia eólica e solar estão amargando perdas de centenas de milhões de reais com interrupções da produção de suas usinas determinadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O problema pode tornar projetos inteiros inviáveis e impactar a decisão de investimentos futuros.
A situação tem afetado principalmente parques renováveis no Nordeste, diante de gargalos na transmissão de energia para o Sul e Sudeste. Chamadas tecnicamente de “curtailments”, essas ações são alternativas para quando a geração excede o consumo ou quando falta capacidade de transmissão. O problema é que se intensificaram no último ano, depois de um grande apagão que começou no Nordeste. O evento levou o ONS a reduzir o volume de energia que a região envia para o restante do país.
“Esse é hoje o maior problema do setor eólico… Virou uma incerteza que o gerador não consegue nem calcular”, afirmou Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).
A entidade estima que o prejuízo total aos geradores da fonte alcançará R$ 700 milhões entre agosto de 2023, quando o problema se agravou, e o final deste ano. A Absolar, associação do setor de energia solar, não fez projeção, mas calcula perdas de R$ 50 milhões de abril a julho deste ano, período para o qual disse ter dados oficiais.
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Eduardo Sattamini, CEO da Engie Brasil Energia, empresa também afetada pelos cortes, disse que a companhia está preocupada com os desafios impostos pela frustração de geração no Brasil, já que o impacto imediato é o “desperdício de energia renovável para o país”.
Para o empreendedor, acrescentou ele, há a “frustração parcial de seus investimentos”.
“Um complexo eólico que sofre uma série de cortes, que não está gerando nem próximo daquilo que é esperado, é um projeto que está indo à bancarrota”, afirmou o diretor técnico da ABEEólica, Francisco da Silva.
Segundo Silva, por mais que para uma empresa seja um único projeto, ela “precisa daquilo dando retorno para que o acionista tome a decisão de investir em novos projetos”.
O percentual de cortes na média nacional foi equivalente a 3% da carga em julho, quando houve aumento dessas ações. Em alguns projetos específicos, contudo, as perdas são mais relevantes. No acumulado de 2024, os cortes levaram a uma frustração de geração de mais de 20% em cerca de 20 empreendimentos, sendo que esse índice chega a superar 50% em uma usina solar da chinesa SPIC e em um conjunto eólico da Equatorial, segundo um levantamento da consultoria Volt Robotics obtido pela Reuters.
De acordo com levantamento da Volt Robotics com base em dados do ONS, o maior impacto para o setor de energia eólica foi visto no conjunto Serra do Mel II B (RN), da Equatorial, com 57,8% de geração perdida.
Na energia solar, o principal projeto afetado pelos cortes é o conjunto Banabuiu (CE) da SPIC, com uma frustração de geração de 50,35% de janeiro até o início de agosto.
Os dados apontam ainda cortes acima de 20% para outras eólicas da Equatorial e uma série de usinas renováveis de grandes elétricas, como Engie Brasil, Alupar, Voltalia e Elera, da Brookfield.
Além do desperdício de recursos e de energia renovável, a interrupção da geração impõe custos adicionais às empresas, que têm que sair a mercado para comprar energia para conseguir honrar seus contratos junto a distribuidoras ou consumidores livres.
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A Voltalia divulgou no início da semana uma projeção de impacto de 40 milhões de euros em seu Ebitda de 2024 em função dos cortes de geração no Brasil. Outras elétricas, como a CPFL Energia, destacaram o assunto na apresentação de seus resultados do segundo trimestre, apontando perdas financeiras.
As entidades ressaltam que a lei brasileira prevê ressarcimento aos geradores pelos cortes do ONS, mas questionam a regulamentação do tema definida pela agência reguladora Aneel. O tema é alvo de uma disputa judicial.
O ONS defende que os cortes que vêm sendo realizados no dia a dia não são excessivos, apenas o necessário para manter a segurança da operação, disse à Reuters um diretor do órgão na semana passada. O operador também prevê para setembro um aumento da capacidade de exportação da energia do Nordeste, o que deve ajudar a reduzir os cortes.
Mas a expectativa é de que o problema persista com o crescimento acelerado da energia eólica e solar na matriz brasileira, enquanto novas linhas de transmissão não entram em operação –o governo realizou leilões bilionários para conceder a construção dos projetos a empresas privadas, mas eles ainda levarão anos para entrar em operação.
As perdas mais relevantes dependem da localização das usinas, se estão em áreas com restrições associadas à segurança das operações.
Cortes desestimulam novos projetos
A CEO da SPIC Brasil, Adriana Waltrick, disse que parte dos cortes de geração em sua usina solar no Ceará está relacionado a atrasos de meses na entrada em operação de linhas de transmissão.
“Caso as atuais restrições não sejam solucionadas adequadamente, podem onerar os custos futuros de energia e impactar a competitividade do setor de energia renovável no Brasil”, afirmou a executiva.
Já a Equatorial Energia afirmou que os cortes de geração já estão trazendo impactos negativos, como acionamento de usinas térmicas, precificação de maior risco pelos investidores e redução de novos investimentos no país, “comprometendo os objetivos de transição energética brasileiro”.
“Não há ambiente para tomada de decisão de novos projetos, desde o ano passado, quando houve o agravo significativo dos cortes de energia e, certamente, dentro de um a dois anos, vamos perceber as consequências deste cenário”, disse a Equatorial.
Sattamini, da Engie Brasil Energia, avaliou que o principal razão para o crescimento dos cortes foi a aceleração de subsídios para a geração renovável, principalmente para a geração distribuída, que fizeram crescer a capacidade em ritmo muito maior do que a expansão do consumo das indústrias e das famílias.
A Elera afirmou que a incerteza sobre os níveis de cortes de geração, associada à ausência de tratamento regulatório adequado, pode acarretar “prejuízos relevantes” aos agentes do setor, “tornando investimentos em renováveis mais arriscados e podendo levar a um quadro de diminuição no futuro”.