Eleição em Taiwan deve aquecer ‘guerra dos chips’ entre China e EUA
A vitória de William Lai Ching-te nas eleições presidenciais do último sábado (13) em Taiwan tende a manter elevada a tensão geopolítica entre Estados Unidos e China. Além de uma esperada escalada das manobras militares das duas potências globais nas águas do Estreito de Formosa, a guerra tecnológica sino-americana tende a ganhar novas frentes.
O resultado das eleições acontece em meio à revelação de documentos pela Reuters indicando que a proibição pelos EUA de exportar chips avançados da Nvidia para a China foi ineficaz. Segundo a agência internacional, órgãos militares chineses e institutos estatais de pesquisa de Inteligência Artificial (AI) compraram lotes de semicondutores da gigante tecnológica.
Apesar de proibidas, essas vendas a fornecedores chineses realçam a dificuldade de Washington em cortar completamente o acesso da China a chips avançados dos EUA. O surgimento desse mercado clandestino se dá pela importação do excesso de estoque de empresas constituídas localmente em lugares como Índia, Cingapura e Taiwan.
A TSMC, fabricante de semicondutores responsável pela produção de cerca de 25% dos chips do planeta, pertence justamente do território reivindicado pela China – e é de lá que saem os chips de alta capacidade de processamento usados nos mais variados produtos, de computadores a aviões.
Citado pela Reuters, o professor da Universidade Tufts, Chris Miller, que também é autor do livro “Guerra do Chip: a luta pela tecnologia mais crítica do mundo” (em tradução livre), afirma que não é realista pensar que as restrições à exportação dos EUA sejam infalíveis, uma vez que os chips são pequenos e podem ser facilmente contrabandeados.
Xadrez chinês
Daí porque a inédita terceira vitória consecutiva do Partido Democrático Progressista (PDP), que defende uma identidade nacional própria pró-independência de Taiwan, pode refazer o xadrez geopolítico na região, apertando o cerco ao comércio ilegal. Afinal, do outro lado do tabuleiro, o governo de Pequim reafirma que não irá desistir da reunificação territorial.
A afirmação, aliás, foi destacada no tradicional discurso de Ano Novo do presidente chinês, Xi Jinping. “No que diz respeito a Taiwan, Xi não poderia ser mais claro: ‘A China certamente será reunificada’”, destacou o renomado especialista em China, Robert Lawrence Kuhn, ao analisar o discurso de boas-vindas a 2024 de Xi.
Vale lembrar que Taiwan é considerada pela China uma província rebelde, que serviu de refúgio aos nacionalistas derrotados pelos comunistas em 1949. Por isso, Pequim defende a política de uma “única China” e busca uma reunificação pacífica nos moldes do lema “um país, dois sistemas”, aplicado em Hong Kong desde 1997.
Enquanto a China pressiona, os EUA, prometem “defender Taiwan”. Aliás, trata-se de um dos poucos assuntos tidos como consenso entre republicanos e democratas. Tanto que, recentemente, o Congresso americano autorizou o governo atual a gastar até US$ 2 bilhões por ano em ajuda militar a Taiwan.
O presidente Joe Biden costuma se referir a Taiwan como um “estandarte da democracia”, embora a ilha tenha sido governada pelo líder derrotado do Kuomintang Chiang Kai-shek de forma ininterrupta até sua morte, em 1975. Somente a partir de 1996, a ilha começou a realizar eleições para presidente.
Formalmente, porém, a Casa Branca admite a existência de uma só China desde o fim dos anos 70, após o histórico aperto de mãos entre Richard Nixon e Mao Tsé Tung. Em 1971, as Nações Unidas passaram a reconhecer oficialmente a República Popular da China como único representante legítimo. Atualmente, Taiwan é reconhecido por cerca de 10 países.
Peça-chave no PIB
Taiwan é tida como peça central no jogo entre as duas maiores economias do mundo. No meio dessa disputa, tem-se uma economia da ilha em recuperação. O Produto Interno Bruto (PIB) taiwanês encerrou 2023 com expansão de 1,2%, o que representa uma forte desaceleração em relação à taxa média de crescimento de 4,2% entre 2020 e 2022.
Em relatório, o Natixis destaca que a perda de tração no ano passado ocorreu principalmente devido à queda nas exportações, causadas por um “acúmulo de estoque excessivo” justamente nos setores de semicondutores e eletrônicos. A boa notícia é que o pior parece ter passado, destaca o banco francês.
Embora as perspectivas de curto prazo para Taiwan sejam positivas, as de longo prazo dependem do principal assunto na corrida presidencial: Taiwan irá aprofundar os laços com a China ou irá se aproximar dos EUA e outros aliados do Ocidente? A resposta deve definir o ciclo de oferta e procura por eletrônicos e semicondutores, além dos investimentos.
“É por isso que em Taiwan a economia e a política não podem ser facilmente separadas.”
Alicia Garcia Herrero, economista-chefe da Ásia-Pacífico do Natixis, em relatório.
Segundo Alicia, a recuperação da demanda externa, o aumento dos salários e a valorização das ações ajudaram a manter a questão econômica como um tema secundário na disputa eleitoral. “Embora a economia seja sempre uma parte crucial de qualquer eleição, o papel que desempenhou na campanha presidencial de Taiwan foi mais discreto”, destaca.
‘É a política!’
Assim, parafraseando a célebre frase de James Carville durante a campanha presidencial de Bill Clinton contra Bush pai nos anos 90, “é a política (…)” que irá definir o rumo da guerra tecnológica entre EUA e China. Nesse sentido, merece atenção o fato de que Lai terá de governar com um minoria em um Parlamento hostil.
Cálculos do ING mostram que o Parlamento de Taiwan manteve uma estreita maioria, com seus 113 assentos antes da eleição, caindo para 51. O total representa um membro a menos que o KMT, ao passo que o PPT conquistou três novas cadeiras. Assim, o partido eleito não terá maioria legislativa pela primeira vez nos últimos oito anos.
“Se o Partido Democrático Progressista não conseguir negociar uma maioria, Taiwan pode ter um governo dividido e, possivelmente, um impasse.”
Josef Gregory Mahoney, professor de Política e Relações Internacionais e diretor de Pós-Graduação na Universidade Normal do Leste da China, no LinkedIn.
Aliás, nem o KMT nem o PPT podem ser acusados de “anti-China”. Os dois partidos tentaram uma chapa conjunta na tentativa de derrotar o PDP, mas não chegaram a um acordo. Ao final, Lai elegeu-se presidente com 40,05%, enquanto How Yu-ih, do KMT, ficou com 33,49% dos votos e Ko Wen-je, do PPT, obteve 26,46%.
Ou seja, juntos, Kuomintang e Partido do Povo de Taiwan foram escolhidos por quase 60% do eleitorado e a construção de uma aliança pode desempenhar um papel fundamental. “Isso tornará mais difícil para o Partido Democrático Progressista aprovar novas políticas”, afirma Robert Carnell, chefe de pesquisa da região Ásia-Pacífico do ING, em relatório.
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