A reforma tributária aprovada na Câmara e que começa a ganhar força no Senado trará mais um desafio ao governo: unificar os itens da cesta básica em todas as 27 unidades da federação.
O projeto aprovado pelos deputados prevê também alíquota zero.
O tema gera embates entre especialistas porque, no modelo atual, produtos como arroz, feijão, pão, leite e queijos já são isentos de impostos federais (PIS e Cofins). A cobrança do ICMS (estadual) e do ISS (municipal), no entanto, é definida pelos governos locais.
Desta forma, nem todas as alíquotas são zeradas em todo o país.
A composição da cesta básica é incerta até o momento. A definição do que vai entrar ou não na lista deve ser fixada posteriormente, por meio de lei complementar, fator visto como um desafio.
As empresas já têm disputado espaço na inclusão, para que um alimento em específico possa contar com benefícios ligados ao ICMS, principal tributo arrecadatório dos governadores.
A variedade e disputa por alimentos ou itens faz o país ter 27 cestas básicas diferentes atualmente. Em Minas Gerais, por exemplo, o pão de queijo faz parte da lista de itens básicos.
Já no Acre, a cesta engloba caderno, lápis, caneta e borracha. No Paraná, conta com erva-mate do chimarrão, mortadela e salmão dentro da gama de produtos selecionados.
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) atuou junto ao Legislativo para defender o modelo de cesta básica ampla e isenta.
Segundo o presidente da associação, João Galassi, a proposta inclui 38 componentes que deveriam contar com alíquota zero, divididas em categorias como queijo, peixes, carnes bovinas e carnes suínas, sem especificar corte, categoria de pescado ou tipo de queijo.
“A reforma tributária tem como objetivo simplificar. A carne bovina, picanha, por exemplo, fica se querendo separar um produto dentro das categorias, excluindo um e colocando outro. Se colocar leite, deve englobar todos os tipos de leite. Isso simplifica a alteração e não traz uma diferença muito grande, porque um produto mais especial muitas vezes tem uma venda mais irrelevante. Ir no detalhe faz cair na ideia de simplificação, é o que nós queremos”, explica Galassi.
De acordo com o presidente da Abras, a medida ajuda a população, em especial a parcela que recebe até R$ 3.500.
Segundo ele, os argumentos contrários à cesta básica isenta foram vencidos e agora sociedade e governo “entendem a importância”. Galassi acredita que taxar ricos e pobres de maneiras distintas é necessário, mas não quanto a alimentação.
“O que tem de ser feito é tratar com isonomia todos os brasileiros. Todos devem pagar os mesmos impostos pelos itens adquiridos. Temos que diferenciar os mais ricos dos mais pobres, mas não sobre impostos sobre alimentos, e sim sobre Impostos de Renda”, afirma.
“A cesta básica é essencial, assim como alguns remédios. Os consumidores devem ser beneficiados com a reforma tributária, e não punidos”.
Por outro lado, o economista e professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Benito Salomão afirma ser contra a alíquota zero, já que a isenção por qualquer que seja o alimento se aplicará para todas as pessoas.
Isso quer dizer que o mesmo produto consumido por pobres e ricos não será tributado, fazendo com que o governo perca dinheiro.
“O problema de estabelecer uma cesta básica com alíquota zero é a focalização desse tipo de política. Quando se zera a alíquota de impostos de algum artigo, ainda que da cesta básica, você não está discriminando quem vai ser beneficiado por essa política de acordo com renda. Então a pessoa em situação de vulnerabilidade vai ser beneficiada assim como aquela que não está nessa condição, e, portanto, poderia contribuir com o imposto”, opina.
Ainda conforme Salomão, este tipo de manobra é o que torna a carga tributária brasileira regressiva. O economista defende que a proposta de estabelecer um cashback para famílias do Cadastro Único seria mais interessante e criativa do ponto de vista dos efeitos distributivos da medida, pois focaliza o benefício.
O professor acrescenta que a isenção dos itens básicos pode resultar em um aumento nos demais.
“Quanto mais produtos forem alcançados por esse tipo de medida, mais a arrecadação do governo vai ficar prejudicada e vai ter que ser compensada pela elevação de impostos em outros produtos. Como a conta tem que fechar, se expande demais a desoneração da cesta básica para um número muito maior de itens, isso vai ter que ser compensado do outro lado com impostos sobre itens que estão fora da cesta básica”, analisa.
O economista e coordenador de economia no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Mathias Schneid Tessmann considera mais fácil a desoneração da cesta básica do que alguma forma de cashback.
Ainda assim, ele reforça que a definição do que entrará na lista é uma das partes mais importantes do processo.
“Quando percebemos que vai ter uma alíquota zero para os produtos que estiverem dentro da cesta básica, todos os agentes econômicos envolvidos querem que seu produto esteja incluso. Então vemos diversas propostas de artigos de luxo, que são mais caros, para que eles estejam dentro dessa alíquota zero. Isso porque teríamos esses produtos mais baratos, com isso a demanda por eles e o faturamento dessas empresas aumentaria”, detalha.
Schneid explica que a desoneração de itens da cesta básica é voltada para atender as camadas de renda mais baixa da população, que precisam direcionar uma parcela maior do dinheiro para a alimentação.
Por outro lado, inserir bens de luxo na lista, produtos geralmente consumidos pela parcela mais rica, faria com que o Estado deixasse de arrecadar em cima destes que têm condição de pagar pelo material.
“É uma boa ideia ter a desoneração desses alimentos que compõem a cesta básica, justamente para aliviar a dependência que as pessoas têm, principalmente de renda mais baixa, dessa inflação dos alimentos, porque a fatia do salário delas alocada para isso seria menor. Mas seria injusto o governo deixar de arrecadar em algo que também estaria beneficiando pessoas de renda alta, ricos que consomem pouco da sua renda em comida”, finaliza.
Segundo a Abras, o consumo de cestas básicas cresceu 2,47% no primeiro semestre de 2023, em relação a junho de 2022 a alta é de 6,96%.
“Registramos um consumo consistente e gradual até o fim do semestre, favorecido pelo recuo do desemprego, de reajustes salariais, da consolidação dos programas de transferência de renda”, explica o vice-presidente da Abras, Marcio Milan.
A mesma pesquisa divulgada em julho mostra que o preço da cesta de alimentos básicos sofreu com queda neste semestre, o Abrasmercado encerrou o semestre com recuo de 1,75%.
O indicador mede a variação da cesta composta por 35 produtos de largo consumo: alimentos, bebidas, carnes, produtos de limpeza, itens de higiene e beleza.
Veja também: Conselheiros da Petrobras dizem que Prates está em área cinza
*Estagiária sob supervisão de Afonso Benites
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