Sem minimalismo, Granado exporta o Rio do século 19 para Europa e Estados Unidos
No começo de julho, uma liquidação da Granado gerou uma dessas filas virtuais que só se vê em venda de ingresso pra show de cantora pop gringa. 200 mil pessoas se acotovelaram – digitalmente, claro – para comprar sabonetes, perfumes e difusores da empresa de cosméticos mais antiga do Brasil.
O fuzuê virou meme nas redes sociais, onde a Granado tornou-se queridinha de milennials e da geração Z. Aos 154 anos, a companhia conseguiu passar de “loja da vovó” para trend nas redes ao abraçar uma estética que tuiteiros têm chamado de “Brasil chique”, em oposição ao minimalismo que hoje impera entre marcas de todas as vertentes – sabe como é, todo mundo quer ser a Apple…
Suas lojas coloridas e com desenhos florais exuberantes remetem a estampas comuns nas roupas da elite carioca dos anos 60 e 70. A brasilidade-zona-sul-do-Rio que a Granado vende foi também exportada. Hoje, há lojas de Paris a Nova York – que, apesar frequentemente operarem no prejuízo, funcionam como vitrine global para a marca brasileira. As lojas no exterior ainda reforçam a estética que caiu nas graças de usuários do TikTok, do Instagram e do X/Twitter.
Essa estratégia da carioquice tem dado certo: o faturamento da Granado foi de R$ 839 milhões nos primeiros seis meses de 2024, um aumento de 24% ante o mesmo período do ano passado. A previsão para este ano é de vendas superiores a R$ 1,5 bilhão.
Conhecida pelos itens de higiene pessoal, a Granado viu uma oportunidade de crescimento nas linhas de perfumes e de itens para a casa. A estratégia foi posicionar seus produtos numa faixa de preço que está entre a cara perfumaria importada e o portfólio de grandes players nacionais como Natura e O Boticário.
“Estamos nas principais capitais do Brasil, entramos em categorias com ticket médio mais alto, como perfumaria, e temos oito lojas fora do país”, elenca Sissi Freeman, diretora de marketing e vendas da Granado. Artífice da reinvenção da marca, ela também é herdeira da empresa.
De origem inglesa, os Freeman têm 65% da companhia e os outros 35% pertencem à empresa espanhola Puig, sócia do negócio desde 2016. A Puig é uma gigante do mercado de perfumaria, dona de fragrâncias como Paco Rabanne e Carolina Herrera.
Meu Brasil brasileiro
A Granado foi fundada em 1870, no Rio de Janeiro, pelo comerciante português José Antônio Granado. Surgiu como uma farmácia que vendia remédios e elixires de fabricação própria. O negócio cresceu, conquistou clientes até na família imperial e foi passando de pai para filho até a terceira geração.
Sem herdeiros, Carlos Granado contratou o banker Christopher Freeman para encontrar um novo dono, mas o inglês acabou gostando do ativo e o comprou em 1994. Dez anos depois, Sissi foi trabalhar na empresa do pai. Filha de Christopher com uma brasileira, Sissi é dona de um S carioca e de um R paulista, mas nasceu nos Estados Unidos.
Nada disso constrange a Granado em sua reivindicação de brasilidade. Pelo contrário. “A gente tem muito verde, muita natureza, mobiliário clássico e dourado nas lojas. Apostamos em um Brasil com personalidade e as pessoas gostam”, ressalta a executiva. “A Granado não é clean e não temos vergonha disso.”
E tem também, claro, o Rio de Janeiro. A brasilidade que a Granado vende tem pronúncia sibilante e DDD 21.
“A gente começou a ver que um apelo muito forte da marca era essa carioquice, né? Criamos a linha Carioca, mas eu tinha medo que ela não vendesse muito bem fora do Rio”, reconhece Sissi. Surpresa positiva, a linha é hoje a best-seller, seja nas lojas brasileiras, seja nas lojas do exterior.
Em junho, a Granado inaugurou uma instalação de oito metros de altura bem no meio da Liberty London, tradicional loja de departamentos da capital inglesa. Quatro andares de gigantescas frutas e folhas tropicais empilhadas sobre uma base na qual se lia “Granado – Rio de Janeiro” viraram o símbolo de uma marca que não tem nenhuma intenção de passar despercebida. A obra foi encomendada pela Granado a carnavalescos da Cidade Maravilhosa.
Criar um senso de brasilidade atrelado à marca e ir com ela ao exterior é um caminho que outras empresas, de diversos segmentos, já trilharam – com mais ou com menos sucesso.
Consultor em branding – construção de marca – e professor da ESPM, Marcos Bedendo menciona como exemplos Havaianas, Farm e as concorrentes da Granado – Natura e O Boticário. Para o especialista, “vender Brasil” tem seus riscos.
Primeiro, porque não é simples criar uma identidade visual e uma estratégia de comunicação que sejam vistas pelo público consumidor como autênticas – e ainda fugir do cafona e do cliché.
Nesse aspecto, a longevidade da Granado se torna uma vantagem. Os 154 anos a tornam uma das marcas mais antigas do Brasil e facilitam que a empresa seja vista pelo público como genuinamente brasileira.
Outro ponto central é o próprio setor em que a empresa atua. A ideia de brasilidade costuma embutir também a tropicalidade, bom ensejo para se valer de frutas e ervas a fim de falar de cheiros e texturas – o que vem bem a calhar quando o objetivo é vender um perfume. E, aos olhos do consumidor estrangeiro, o portfólio made in Brazil pode ser ainda mais interessante: a palavra “exotismo” tem seus problemas, mas a verdade é que ainda ajuda a vender o Brasil para os gringos, pontua Bedendo.
Samba do avião
Em 2016, a Granado buscava um sócio que aceitasse investir na empresa e manter o controle nas mãos dos Freeman. Não foi fácil. Até que a Puig topou a sociedade e comprou 35% da empresa. A entrada da companhia espanhola preparou financeiramente a empresa para a expansão iniciada no ano seguinte, quando Paris recebeu a primeira loja da Granado fora do Brasil.
Hoje, ela está presente de forma física também em Lisboa, Londres, Birmingham, Manchester, Madri, Bruxelas e Nova York. Todas as lojas são próprias, assim como as mais de 100 no Brasil.
As lojas do Reino Unido são fontes de especial satisfação para o CEO Christopher Freeman, conta a filha Sissi. Aos 76 anos, ele já viveu mais tempo no Brasil do que em qualquer outro país, inclusive sua Inglaterra natal.
“Ele ainda tem muitos amigos na Inglaterra e abrir lojas em Londres – que é uma vitrine para o mundo todo – gera muito orgulho, de poder mostrar tudo o que foi construído nesses anos aqui no Brasil”, conta Sissi.
A expansão no Reino Unido foi facilitada pelo próprio Consulado Britânico de São Paulo, que tem um grupo de funcionários brasileiros cuja função é ajudar empresas daqui a se instalarem por lá – e vice-versa. Hoje, mais de 60 empresas estão se valendo dessa consultoria avalizada pelo próprio governo britânico, conta Cristiano Andrade, diretor de investimentos do consulado.
“A Granado nos procurou no momento em que estávamos buscando o contato deles. Foi um match mesmo”, diz Julia Kock, gerente de investimentos do Consulado. A parceria facilitou a entrada da Granado no Reino Unido e envolveu ajuda com aspectos burocráticos da operação, como a contabilidade.
Segundo Sissi, as lojas no exterior ainda não dão lucro, mas servem ao propósito de elevar a percepção de valor da Granado entre os consumidores brasileiros, especialmente os de classe mais alta.
“A pessoa viaja e entra numa Harvey Nichols, numa Liberty e vê que a Granado está lá. Ela volta para o Brasil com outro olhar para a marca e começa a valorizar mais os nossos produtos”.
Agora, a Granado almeja espalhar novas lojas pelos Estados Unidos e também no gigantesco, ávido e disputado mercado asiático.
O meu lugar
No Brasil, assim como no exterior, as lojas são abertas a conta-gotas. Os Freeman, com medo de descaracterizar a marca, rejeitam o modelo de franquias e não almejam abrir o capital da Granado. Tudo é feito com capital próprio e as coisas devem continuar desse jeito.
A Granado, explica Sissi, não tem interesse em concorrer com as grandes redes de farmácias porque elas seguem como as melhores clientes da empresa, sendo responsáveis por 65% do faturamento.
Para Sissi, a manutenção da identidade da Granado depende dessa administração familiar, não-corporativa. No que depender dela e de seu pai, vai nada deve mudar. “Vemos muitos benefícios. Queremos manter a família no controle da empresa”.
Aos 44 anos, Sissi tem três filhas entre a infância e a pré-adolescência e é a única herdeira de Christopher envolvida na empresa. Seus dois irmãos ainda não têm herdeiros.
“Nas férias, minhas filhas pediram para ajudar na montagem da loja do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo”, empolga-se. “Elas adoram, dão ideia de produto…então quem sabe?”