Setor imobiliário ajusta estoques e mantém previsão de vendas ainda em alta
Mais resiliente em tempos de juros altos, o segmento de alta renda vem puxando uma alta na venda de imóveis no Brasil, mas uma queda nos lançamentos indica que pode haver alguma pressão sobre os preços mais à frente. Enquanto isso, os números da divisão de imóveis voltados para consumidores de renda mais baixa devem mostrar mais aquecimento nos próximos meses. O comportamento dos preços de uma forma geral, no entanto, gera dúvidas.
Essa é a visão de especialistas ouvidos pelo InvestNews sobre o mercado imobiliário nos próximos meses, e é também o que demostram números do setor que evidenciam a movimentação diferente entre os segmentos.
O levantamento mais recente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), mostra que o número de novos imóveis comercializados no Brasil aumentou 9,8% no primeiro semestre de 2023.
“Considerando o cenário, esses números são realmente positivos, mostram uma resiliência do mercado no que diz respeito às vendas que é impressionante”, opina Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do FGV IBRE.
O dado, no entanto, se refere ao mercado de forma geral, enquanto a separação por segmentos mostra tendências diferentes. Imóveis de médio e alto padrão (MAP) tiveram alta de quase 23% nas vendas, contra um avanço menor, de apenas 4%, daqueles voltados ao programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).
Se a manutenção da Selic em patamar elevado durante vários meses ajuda a explicar essa diferença, as projeções do setor para os próximos anos refletem descasamento ainda maior diante dos dados de lançamentos de novos imóveis. Os produtos do MCMV tiveram aumento de 17% enquanto os de MAP, queda de quase 60%.
Essa tendência observada nos números da indústria de construção se confirma também no mercado de imóveis usados. Vinicius Oike, economista do QuintoAndar, conta que, “nos últimos meses, houve um aumento na participação da demanda de médio e alto padrão e uma diminuição relativa ao segmento mais econômico”.
“O mercado realmente se adaptou e focou mais no médio alto padrão, que é um uma demanda que é um pouco mais resiliente a essas flutuações dos juros”, diz ele.
Médio padrão e alto padrão: lógicas diferentes
Apesar do grande destaque do segmento de médio e alto padrão nos últimos meses, Castelo, do FGV IBRE, comenta que os consumidores desse grupo têm sido afetados pelo cenário de maneira distinta. Da mesma maneira, as projeções para os próximos meses também não são totalmente iguais. “O médio foi mais espremido pelas taxas de juros, e com isso foi o grupo mais afetado pelo cenário mais adverso. O padrão alto é menos afetado pela questão da taxa de juros.”
“A gente vai ter por algum tempo um cenário mais complicado para média renda, porque as taxas de juros do financiamento não vão cair imediatamente”
Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do FGV IBRE
No entanto, ela vê alguma perspectiva de melhora com a inclusão dos consumidores de renda média no programa Minha Casa Minha Vida. Entre as principais mudanças está o valor máximo do imóvel que pode ser comprado na faixa 3, para famílias com renda entre R$ 4,4 mil e R$ 8 mil, que passou de R$ 264 mil para até R$ 350 mil.
“Considerando uma melhora no cenário econômico, vejo possibilidade desse segmento, puxado pelo MCMV, voltar a ser protagonista e puxar uma retomada do mercado imobiliário”, diz ela.
Porém, a especialista volta a destacar que o “segmento da média renda que não foi para dentro do MCMV ainda deve continuar com cenário adverso por mais algum tempo, já que as taxas não vão baixar no curto prazo”.
E falando em MCMV…
Os imóveis voltados para a população de baixa renda têm sido apontados como os mais promissores nos próximos anos depois que o governo promoveu mudanças no Minha Casa Minha Vida, ampliando limites para o subsídio, entre outras medidas que tornaram o programa mais acessível.
Nesse contexto, a alta nos lançamentos acompanha a expectativa de aumento da demanda – o que vem, inclusive, ajudando a puxar as ações de construtoras voltadas a esse público na bolsa de valores. Para o segmento de imóveis usados, a projeção também é de alta da demanda por conta da melhora nas condições para o consumidor.
“A reformulação do Minha Casa Minha Vida vai trazer um uma situação bastante interessante nesse segmento econômico, que estava um pouco estagnado justamente pela inflação de custos, o programa ficou um pouco defasado. Mas certamente agora a gente deve observar uma volta do crescimento desse segmento também”, opina Oike, do QuintoAndar.
Castelo, do FGV IBRE, comenta a relevância do segmento para o mercado. “Se a gente olha o número de unidades vendidas, mesmo com a redução de 2022 sobre 2021, continua representando a maior fatia do mercado.”
Nos últimos meses, ela diz que “a gente já vê o MCMV reagindo, já que, na comparação de junho contra 2022, o MCMV já cresceu 25% em número de vendas”. “Embora o médio e alto tenham crescido mais, já tem uma reação.”
Preço dos imóveis
Em meio às projeções de movimentações diferentes no mercado imobiliário de acordo com o público alvo de cada segmento, existem dúvidas sobre qual deve ser o comportamento dos preços nos próximos meses de maneira geral.
O Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R ABECIP), calculado com base nos laudos de imóveis financiados pelos bancos, mostra que a trajetória das variações acumuladas em 12 meses continuou desacelerando pelo sétimo mês consecutivo, passando de 11,49% em julho para 10,81% em agosto. Mas “o ritmo de valorização do imóvel ainda é muito acima da inflação”, comenta Castelo.
Já os dados mais recentes do QuintoAndar mostram que os preços seguem subindo. No segundo trimestre, a alta foi de 3,67% em São Paulo na comparação com o primeiro. No Rio de Janeiro, o avanço foi de 4,62% e em Belo Horizonte, de 5,56%.
Mesmo diante da alta, Oike diz que a perspectiva “é mais de acomodação e estabilização, porque no ano passado a gente viu crescimento significativo – e parte disso era recuperação da pandemia”.
“A gente observa números positivos, mas não aceleradamente”, analisa o economista. Mas ele faz uma ressalva particular ao segmento de médio e alto padrão.
“A gente tem lançamento em queda e venda subindo, ou seja, um estoque que está diminuindo mês a mês. Ainda é um estoque muito grande, porém a depender de como o ritmo de lançamento vai acontecer ao longo do ano pode ter um descasamento. Vai ter mais demanda do que estoque e isso naturalmente vai tender a pressionar um pouco os preços.”
Vinicius Oike, economista do QuintoAndar
Esse ajuste de estoques enquanto a demanda segue aquecida vem na esteira de um problema de custos enfrentado pelo setor de construção nos últimos anos, com o desajuste na cadeia de produção durante a pandemia puxando os preços dos materiais de construção.
Agora, “a questão do custo deixou de representar aquela variável que chegou realmente a limitar os negócios das empresas da construção”, como comenta Castelo, do IBRE FGV. Em setembro, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), calculado pela instituição, acumulou alta de 3,21% em 12 meses.
Mas Castelo aponta que, além das incertezas sobre quando o crédito imobiliário vai ficar mais barato, há outro fator que pode pressionar os preços mais à frente: a falta de mão de obra qualificada. “A mão de obra qualificada assumiu a segunda maior dificuldade das empresas. E isso em algum momento vai começar a rebater em custo. É uma questão para a gente acompanhar.”
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