Vale: o que a ‘crise do aço’ na China tem a reservar para o preço do minério
A queda no preço do minério de ferro no mercado internacional entre janeiro e março impactou o balanço da Vale, conforme divulgado nesta quarta-feira (24). Mas o salto da commodity para o nível mais alto em sete semanas no mesmo dia alimenta esperanças de que os negócios da mineradora engatem uma recuperação nos próximos trimestres.
Entre janeiro e o início de abril, o preço do minério tinha caído 30%, de US$ 140 a tonelada para US$ 99. Desde o início do mês, a commodity passa por uma recuperação firme: alta de 20%.
Já os números trimestrais da mineradora brasileira evidenciam um descompasso. No primeiro trimestre deste ano, a Vale registrou um Ebitda 7% menor. Mas as vendas em toneladas aumentaram 15%. Ou seja, vendeu mais minério por menos dinheiro.
Os próximos balanços da mineradora vão depender, obviamente, da China – destino de pelo menos 60% do minério de ferro produzido no Brasil. E as expectativas para o longo prazo não são favoráveis.
Para o economista Elias HIlmer, da Capital Economics, a queda no preço do minério de ferro nos primeiros meses de 2024 foi apenas um ensaio geral para o que está por vir.
A questão-chave é o mercado imobiliário chinês – que nos últimos anos consumiu 30% do aço por lá. A contração do setor de imóveis por lá fez as siderúrgicas do país ajustarem a produção, deixando de fabricar aço longo, usado na construção civil, e dando preferência aos aços planos e derivados, mais usados na indústria de bens – e mais destinados à exportação.
Os especialistas lembram que desde a crise da Evergrande, em 2021, o mercado imobiliário chinês está “parado”. A previsão é de que a representatividade do setor na economia do país asiático deva “cair à metade” até o fim deste década.
Daí o aço da China ter inundado vários mercados mundo afora, derrubando os preços do metal. Isso levou, inclusive, o governo brasileiro a sobretaxar a importação do aço chinês para 25%, em um conluio que envolve outras economias latinas e os Estados Unidos.
“Alguém aí parou para pensar que o minério exportado da Vale é o aço chinês sobretaxado?”
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master
Se quiser continuar desovando sua produção de aço, as siderúrgicas chinesas terão de vender ainda mais barato. Logo, elas tenderão a pagar menos pelo minério de ferro, de modo a não comprimir tanto suas margens. Mais adiante, a tendência é que demanda pela commodity diminua.
Não é só isso. Os planos de Pequim para avançar na descarbonização também tendem a segurar a produção de aço na China – o setor siderúrgico é responsável por 15% das emissões totais de gases poluentes do país.
Lynn Song, economista-chefe para China do ING, explica: “A economia da China está passando por uma grande transição, com foco no desenvolvimento de ‘novas forças produtivas’, que incluem energia limpa e alta tecnologia”.
Para Gala, dificilmente algum outro país, como a Índia, irá suprir essa demanda no curto e médio prazo. “Estamos falando de uma produção industrial de US$ 400 bilhões ao ano contra uma fabricação chinesa de US$ 4 trilhões anual, além de uma renda per capita que é mais que o dobro”, explica.
E agora, Vale?
Portanto, não se trata de um bom presságio para os planos das três maiores produtoras mundiais de minério de ferro – Vale, Rio Tinto e BHP – de elevar a produção.
De qualquer forma, a analista Mary Silva, do BB Investimentos, ressalta que a Vale está bem preparada frente aos rivais anglo-australianos da exigência cada vez maior de ofertar “produtos premium”, sob os pilares da transição energética e da descarbonização da indústria.
Em relatório, ela lembra que a mineradora brasileira já assinou acordos para a instalação de mega hubs no Brasil e no exterior para desenvolver produtos que contribuam com a redução de gases do efeito estufa. Mary Silva ressalta: “Apesar do desafio de custos, isso vem contribuindo não apenas com a entrega de resultados, mas também na geração de valor do portfólio”.